
Por Francisco Braun
Uma história inesquecível vivida por mim.
Novembro ou dezembro de 1999. Saindo de casa, pego um ônibus em Ipanema para ir trabalhar no Teatro Villa-Lobos, na avenida Princesa Isabel, que separa Copacabana do Leme.
Entro às 17h e saio à 1 ou 2 da madrugada.
No ônibus, lendo a Folha de S.Paulo, encontro um artigo constituído por textos assinados por vários autores. Cada um sugere atualização para os 10 mandamentos bíblicos caso eles fossem escritos na nossa atualidade.
Três textos foram digitalizados no mesmo dia, impressos e guardados até hoje: os de autoria de Isaías Pessoti, Jurandir Freire Filho e Otávio Frias Filho.
Ao acabar a leitura, surge um detalhe que passa a incomodar muito: não lembro com exatidão dos 10 mandamentos escritos na Bíblia. A memória não resgata todos.
A 200 metros do teatro, na mesma calçada, havia uma Igreja Universal do Reino de Deus. Imaginei que resolveria minha inquietação causada pelo esquecimento em instantes.
Entro em uma sala com cerca de 10 pessoas presentes. Próximos a uma mesa, estavam um pastor e um empregado de limpeza uniformizado. Pela perplexidade demonstrada por todos diante do inesperado da minha presença, houve um silêncio constrangedor que imediatamente me levou a pedir desculpas pela entrada — embora a porta estivesse aberta. Cumprimentei todos, expliquei que trabalhava no teatro e que a razão de ter entrado era pedir uma Bíblia que pudesse, com uma leitura rápida, compensar falhas da minha memória.
A reação do pastor foi estranhíssima. Hesitante para responder, olhou para os outros presentes antes de apontar para uma Bíblia sobre a mesa e autorizar a consulta. Em seguida, retirou-se, e eu permaneci na sala apenas com o empregado da limpeza, que imediatamente empurrou a Bíblia na minha direção para que ficasse mais próxima de mim.
Extremamente gentil, ele ficou ao meu lado demonstrando vontade de auxiliar. As páginas, embora folheadas com rapidez, permitiam ressaltar erros ortográficos e de concordância inacreditáveis. Ao lado de Jesus Cristo, a língua de um país parecia também crucificada.
Mas chegamos aos mandamentos. Li várias vezes sem acreditar no impacto causado pelo texto: havia somente sete mandamentos. Perguntei, em um tom meio infantil e desesperado, ao meu interlocutor: “O que é isso? Como pode? Sempre foram dez!!!”
A ficha caiu. Olhei nos olhos dele, coloquei a mão em seu ombro, deixei um sorriso e agradeci.
Breno Altman é uma enciclopédia ambulante de integridade intelectual e de ética. Dá ao país uma contribuição inestimável pelo profissionalismo na direção do site Ópera Mundi nas redes sociais.
Para muitos de nós, a memória da sua tia-avó sempre terá respeito e conforto em nossas consciências. Para outros, não — até porque não existe ex-nazistas.