O fascista nunca se refestelou tanto como agora. Por Moisés Mendes

Atualizado em 2 de outubro de 2025 às 10:12
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em prisão domiciliar. Foto: Reprodução

Veteranos de direita, que viveram os seus melhores momentos na ditadura e aproveitaram também os piores, nos estertores do início dos anos 80, sabem que não era tão fácil ser um fascista público e ostensivo naquele tempo.

Mesmo quando os militares exerciam controle quase absoluto do Brasil, era difícil ser um fascista civil comum e declarado, porque a ditadura não conseguia glamourizar e proteger tudo o que fazia.

Os ditadores construíram a imagem da economia próspera, da moral e cívica, do anticomunismo e da defesa da família, e viram retórica e ação se reproduzirem nas comunidades.

Era fácil, no milagre econômico, apresentar-se como reacionário e ultraconservador. Mas não era muito cômodo exibir-se como fascista, o que significava outro estágio.

Os interioranos testemunharam essa situação mais do que os moradores das grandes cidades. Um interiorano enxergava os movimentos e ouvia o padre, o prefeito, o vereador, o empresário, o mandalete do fascista.

Mas sabia que eles não agiam com muita desenvoltura e não se refestelavam tanto. A maioria era de cuidadosos e dissimulados. Os gritões e impositivos eram minoria.

Hoje, não. Um fascista do bolsonarismo é alguém dedicado à ostentação do seu fascismo como ativismo político e como atividade econômica e profissão. O fascista é um profissional.

E continua ativo, apesar de alguns tombos. Imaginavam que, depois da eleição de Lula, do fracasso do golpe e da condenação dos chefes da organização criminosa de Bolsonaro, o fascismo iria se abalar.

Atos golpistas geraram prejuízo financeiro de ao menos R$ 25,6 milhões – CartaCapital
Bolsonaristas durante atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Foto: Reprodução

Pode ter ficado abatido, mas não se entregou. Porque é preciso manter os nichos de mercado da extrema-direita, com a fidelização dessas bases. E, a partir daí, com impunidade, reconstruir o fascismo.

As eleições de 2026 oferecem munição à extrema-direita, com ou sem anistia ampla, geral e irrestrita. Porque é fácil ser fascista para conspirar até, como fizeram nos últimos meses, contra a isenção do IR para ganhos de até R$ 5 mil.

O fascista sabe que a maioria não estava ciente da sabotagem à isenção. Sabe que um contingente expressivo conecta as falas de Michelle a uma ideia de fé nacionalista, mas não associa a defesa da soberania, feita por Lula, como resistência aos ataques de Trump.

É fácil ser fascista porque a média não conecta o crime organizado ao mercado financeiro das fintechs da Faria Lima. E não consegue ligar a matança de jovens pelo metanol a esse mesmo crime organizado.

O governador de São Paulo já disse que não há relação entre metanol e PCC, mesmo que a Polícia Federal afirme que pode existir, sim. A extrema-direita aposta na confusão e oferece habeas às facções que fazem lavagem de dinheiro analógico e também de bitcoins, vodka, combustíveis.

É fácil ser fascista e passar pano para o PCC, ser transfóbico, racista, golpista intermitente, com ou sem mandato, porque as redes de proteção são vastas e ainda funcionam, apesar das derrotas recentes da extrema-direita.

É fácil ser fascista com a cumplicidade da velha direita, dos jornalões, dos liberais e dos especialistas que avalizam ataques à democracia pelos que desejam usufruir da democracia para continuarem sendo fascistas. Hoje, o fascista ostenta até alvará de fascista.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/