
O mercado global de soja vive uma reconfiguração que favorece o Brasil. Para Stephen Nicholson, estrategista global do Rabobank, os Estados Unidos “estão entregando participação de mercado aos brasileiros” após a deterioração da relação comercial com a China.
Em entrevista à coluna de Graciliano Rocha no UOL, o especialista compara o atual momento ao embargo imposto pelos EUA à União Soviética em 1979, quando o país passou a ser visto como fornecedor “pouco confiável”. Segundo Nicholson, o afastamento é evidente.
“A China não importa nenhuma saca de soja dos EUA desde maio, nem comprou qualquer volume para o ano-safra 2025/26”, afirmou. O único cenário em que os embarques poderiam voltar é se o produto americano ficar mais barato que o brasileiro ou argentino, ou se houver quebra de safra na América do Sul.
Os impactos já são sentidos pelos agricultores americanos. O estrategista apontou queda nos preços recebidos e relatou que os níveis de basis estão US$ 0,10 a US$ 0,25 por bushel abaixo do registrado há um ano. “Simplesmente não há substituto para os compradores chineses de soja”, prosseguiu.
Ele lembra que, em 2024/25, a China importou 106,5 milhões de toneladas, contra 71,6 milhões do restante do mundo. A perda de espaço não é recente. Desde 2013, quando o Brasil assumiu a liderança mundial em exportações de soja, os EUA vêm encolhendo sua fatia no comércio global. Hoje, a dependência da demanda se tornou ainda mais evidente, já que não existe outro mercado capaz de absorver volumes semelhantes.

Para Nicholson, mesmo um eventual acordo comercial entre Washington e Pequim dificilmente traria de volta os embarques ao nível pré-guerra tarifária. “Houve danos excessivos no relacionamento entre os dois países para que as exportações de soja dos EUA voltem ao normal tão cedo”, avaliou.
O estrategista destacou que, na prática, as exportações americanas se mostram erráticas, só recuperando fôlego quando há déficit de produção no Brasil. A lembrança do embargo de 1979 serve como alerta: foram anos até os EUA reconquistarem a confiança de clientes globais, e o mesmo pode acontecer agora.
Ainda assim, Nicholson citou pontos de competitividade a favor dos EUA, tendo a logística como diferencial, já que os portos brasileiros enfrentam congestionamentos frequentes. “Os compradores querem entregas no prazo e moverão seus negócios para os EUA, já que nossa logística é muito mais capaz”, explicou.
Na avaliação dele, a disputa seguirá pautada por custo e eficiência. “Grão é como água: vai encontrar uma rachadura e fluir por ela. Se os EUA forem uma ‘rachadura’ melhor, é para lá que os compradores irão gravitar”, completou.