
Uma das características mais fascinantes da política e da história é o papel que a ironia desempenha na evolução dos fatos. Mesmo assim, nunca deixa de surpreender. Até porque a surpresa é um dos aspectos inerentes à ironia. Todos os episódios relacionados a Eduardo Bolsonaro e sua articulação para salvar seu pai e destruir a democracia brasileira carregam essa ironia.
Quanto mais Eduardo Bolsonaro atira, mais as balas ricocheteiam, voltam e atingem seu próprio pé, o pé do seu pai e o pé de toda a direita brasileira. Ao ponto que estamos assistindo hoje, e é de certa forma uma surpresa, toda a direita mancando cada vez mais. Alguns setores já estão praticamente com o pé amputado e outros em vias de sê-lo.
“Eduardo Bolsonaro é, hoje, um dos principais cabos eleitorais do Lula”, ironizou o colunista Josias de Sousa em análise recente. Para o jornalista, essa é a constatação mais evidente de um paradoxo político que se desenrola diante dos olhos de todos: as ações do deputado federal, longe de fortalecerem a direita, pavimentam o caminho para seu principal adversário.
A análise de Josias parte da observação do comportamento do deputado, que se autoexilou nos Estados Unidos há sete meses. De lá, Eduardo continua a proferir ataques ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e a fazer declarações que geram profunda instabilidade no campo da direita. A mais recente foi a ameaça de que “sem anistia, não haverá eleição em 2026”. Para o colunista, essa postura revela que “a maior lente de aumento do mundo é o Eduardo Bolsonaro olhando para o próprio umbigo”.
O paralelo com o pai é inevitável. Em 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro alardeava que “se não tiver voto impresso, não terá eleição”. Teve eleição, e deu no que está dando. A atitude de Eduardo é vista como uma repetição de uma estratégia que já se provou fracassada e prejudicial aos próprios interesses do clã Bolsonaro. “Pode-se acusar o Eduardo Bolsonaro de qualquer coisa, exceto de falta de coerência. Ele continua tão insensato quanto há sete meses”, afirma Josias.
O impacto dessas ações é aprofundar a cova em que a direita brasileira se encontra. Enquanto Eduardo tenta se mostrar “cheio de si”, expõe o “vazio que tem por dentro” e, em vez de unir, fragmenta. A prova disso veio na forma de uma reação de seu próprio irmão, o vereador Carlos Bolsonaro, que usou as redes sociais para criticar abertamente aliados como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado. Para Carlos, a promessa de indulto feita por esses políticos é “para enganar inocente”, adicionando mais gasolina ao fogo da divisão interna.
Nesse vácuo, a agenda de Lula avança com surpreendente facilidade. Josias de Sousa argumenta que o presidente se aproveita do caos instaurado por Eduardo para reforçar a bandeira da “frente ampla” contra o que chama de “maluquice” e o risco de retrocessos democráticos. Cada ataque e cada ameaça do filho do ex-presidente servem como munição para o discurso governista, que se fortalece na posição de defensor da estabilidade institucional.
Enquanto isso, os oligarcas do Centrão, que gostariam de se livrar da “maluquice dos filhos do Bolsonaro”, encontram-se em uma posição delicada. Para não confrontar diretamente o pai, “tentam fazer a insanidade descer pela escada, degrau por degrau”. Contudo, a paciência parece se esgotar. A pauta da anistia já ficou para trás, e até mesmo a proposta de redução de penas corre o risco de “rolar a escada abaixo”.
O colunista conclui com uma nota de tristeza, lamentando a atuação de um deputado federal eleito com votação expressiva que, em vez de trabalhar pelo país na Câmara, dedica-se a “presepadas contra o país nos Estados Unidos”, exercendo as “atribuições que se autoconcedeu de traidor da pátria”. Para Josias de Sousa, a eleição de 2026 ocorrerá, e se Eduardo Bolsonaro continuar em sua trilha atual, estará pavimentando com “pedacinhos de brilhante” o caminho para um possível quarto mandato de Lula. A soberba, que subiu de elevador, pode ser a mesma que levará a oposição a descer, degrau por degrau, a escada do poder.
Originalmente publicado no blog O Cafézinho