
O escritor brasileiro Milton Hatoum aparece entre os cotados ao Prêmio Nobel de Literatura de 2025, segundo o site britânico NicerOdds, que reúne probabilidades de diversas casas de apostas internacionais. O anúncio do vencedor, que receberá 11 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,2 milhão), está previsto para o dia 9 de outubro.
Na lista de apostas, Hatoum figura com chances de 24/1, mesma proporção atribuída à chilena Isabel Allende, à japonesa Yoko Tawada, ao sul-coreano Ko Un e à dinamarquesa Helle Helle. Membro da Academia Brasileira de Letras, o autor amazonense aparece ao lado de nomes consagrados como Salman Rushdie, Margaret Atwood e Haruki Murakami, reforçando a presença da literatura brasileira entre os grandes da cena mundial.
Em entrevista ao DCM, Hatoum comentou as possibilidades de vitória no Nobel, refletiu sobre a literatura brasileira, o genocídio do povo palestino e as eleições de 2026.
O NOBEL E O BRASIL
Vejo isso como uma possibilidade muito remota, um pontinho quase invisível no horizonte. No momento, estou totalmente imerso no novo romance que acabei de publicar, e no dia 21 será lançado o terceiro volume da minha trilogia. Estou dedicado a isso e também à revisão de contos e outros textos.
A LITERATURA BRASILEIRA SEMPRE FOI DESPREZADA PELA ACADEMIA SUECA
Diversos escritores mereciam ganhar o Nobel, mas a Academia Sueca não deu o prêmio para Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, e isso foi um erro, pois ele é um dos grandes poetas da língua portuguesa. Na ficção, Guimarães Rosa e Clarice Lispector, ambos geniais, também não foram contemplados. Guimarães Rosa, infelizmente, teve sua obra mal traduzida e só agora vão publicar duas traduções excelentes – uma em alemão e outra em inglês. Já a obra da Clarice só há uns 15 ou 20 anos se tornou mais conhecida na França e nos EUA. O brasileiro que vencer o Nobel de Literatura um dia deve mencionar essas injustiças. A Academia Sueca privilegia escritores europeus e norte-americanos brancos, mas, se um brasileiro ganhar, acho que a nossa literatura se tornará mais conhecida no mundo todo. Isso aconteceu, por exemplo, com o excelente filme Ainda Estou Aqui, que ganhou o Oscar e abriu portas para o cinema brasileiro.
VISIBILIDADE PARA A LITERATURA BRASILEIRA
O protagonismo da literatura brasileira no exterior depende de uma política cultural. Por exemplo, a Biblioteca Nacional ajuda com financiamento, dá bolsas de tradução, e isso ajuda muito. Obras da Clarice Lispector foram traduzidas para o árabe recentemente. Não são livros comerciais, e vários países fazem isso, como o Instituto Camões, em Portugal, e o Instituto Cervantes, na Espanha. Essas instituições ajudam a divulgar a literatura de seus países no mundo todo com essas bolsas de tradução. Acho que essa política cultural da Biblioteca Nacional e outras ajudam a publicar poesia e ficção de autores clássicos e jovens – é importante impulsionar esses novos nomes.
OS PRÓXIMOS MOMENTOS DA POLÍTICA NO MUNDO
Acho que fazer uma projeção é sempre temerário. Eu tento entender o tempo presente, esse em que a extrema-direita, em países importantes como os EUA, atua em todas as áreas como uma força destruidora, aterrorizante e mortífera. O martírio do povo palestino é o maior exemplo disso, assim como o que está acontecendo no Sudão e nas disputas pelos recursos minerais e pela riqueza de outros países da África. Mas acho que há contradições e dissenso tanto na direita quanto na extrema-direita, e essas fissuras já existem na política norte-americana e na brasileira também. Na Itália, por exemplo, o povo está se manifestando contra o genocídio dos palestinos, mesmo governado pela extrema-direita. Uma greve geral paralisou todo o país, e grandes manifestações também estão acontecendo na França, Espanha, Dinamarca, Japão e em vários outros países.
No Brasil, as manifestações em várias cidades brasileiras derrubaram esse projeto de lei espúrio que daria imunidade a políticos criminosos. Isso prova que só a mobilização popular será capaz de deter o avanço da extrema-direita. Eles operam com a divulgação maciça de mentiras criminosas para uma massa desinformada. Se o STF fechar as portas dessas fábricas de fake news insidiosas, os extremistas perderão força. O filósofo alemão Theodor Adorno, em seu ensaio sobre o nazismo e o fascismo, diz que a propaganda manipuladora é baseada em técnicas psicológicas de enganação. Ou seja, sete décadas atrás, ele já se referia às fake news.
NOBEL É MENOS IMPORTANTE DO QUE CONSOLIDAR A DEMOCRACIA NO BRASIL
A Academia Sueca nunca levou a sério a produção científica e literária dos brasileiros e brasileiras. Ainda somos vistos sob um olhar exótico e indiferente. É preciso lembrar que Adélia Prado também é candidata ao Nobel, é uma importante poeta e, no início da sua carreira, foi elogiada por Drummond, e eu torço por ela. Cedo ou tarde, o Nobel será dado a um brasileiro, seja na ciência, na literatura ou a alguém que lute pela paz e pela justiça social.
Mas o que eu mais quero para o próximo ano, deixando o Nobel de lado, para o escanteio, é a consolidação da democracia no Brasil e a derrota de um candidato nefasto, antidemocrático, um crápula com uma máscara de moderado – aliás, essa máscara já caiu –, um sujeito que enfiou na cabeça um boné com a inscrição MAGA, o que é uma vergonha. Do ponto de vista pessoal, espero terminar de escrever um romance e alguns contos, além de retomar meus ensaios, que comecei a escrever há algum tempo, e terminar a tradução de um livro de Joseph Conrad. Na verdade, nenhum prêmio nunca esteve em meu horizonte, pois é o leitor que justifica a literatura – o leitor e a leitora de qualidade, como dizia o magnífico escritor russo Tchekhov.