Plano de paz de Trump para Gaza é um fracasso, diz o cientista político John Mearsheimer

Atualizado em 5 de outubro de 2025 às 18:33
Netanyahu e Trump no Salão Oval da Casa Branca

Em uma entrevista ao canal britânico The Spectator, o renomado professor de ciência política John Mearsheimer — um dos mais influentes teóricos das relações internacionais do mundo e autor do clássico “A Tragédia da Política das Grandes Potências” — classificou o novo “plano de paz” anunciado por Donald Trump e Benjamin Netanyahu como uma “farsa disfarçada de diplomacia”. Segundo ele, o documento representa “um presente para Israel e uma sentença de morte para a Palestina”.

O chamado “Plano de Paz para Gaza”, revelado por Trump ao lado do premiê israelense, propõe uma série de medidas supostamente voltadas à reconstrução do território e à pacificação da região. Mas, para Mearsheimer, trata-se de “uma proposta completamente desequilibrada, feita sem qualquer consulta aos palestinos e desenhada para institucionalizar o domínio israelense sobre Gaza”.

“O Hamas teria de ser louco para aceitar algo assim. O plano exige que libertem todos os reféns em 72 horas, entreguem suas armas e permitam que Israel mantenha controle militar dentro do território. Isso não é um acordo de paz — é um documento de rendição total”, afirmou.

O professor lembrou que a proposta foi elaborada em reuniões entre Netanyahu, o empresário Steve Witkoff e Jared Kushner, genro de Trump e um dos arquitetos dos Acordos de Abraão, que aproximaram Israel de países árabes aliados dos Estados Unidos. “Trata-se de um plano americano-israelense, não de um esforço internacional. Israel conseguiu tudo o que queria”, completou.


“O genocídio continua, com aval americano”

Durante a entrevista, Mearsheimer não poupou críticas à política de Israel em Gaza. Ele afirmou que “não há outra forma de descrever o que ocorre ali senão como genocídio” — termo que, segundo ele, é rejeitado apenas por quem tenta “manter a aparência de neutralidade diante do horror”.

“As principais organizações de direitos humanos do mundo, como Human Rights Watch, Anistia Internacional, B’Tselem e até comissões independentes da ONU, já classificaram as ações de Israel em Gaza como genocidas. Estamos falando de milhares de civis mortos, destruição sistemática de hospitais, escolas e infraestruturas básicas. Não é uma guerra — é o extermínio de um povo”, afirmou.

Mearsheimer observou que a proposta de Trump “legitima a limpeza étnica”, ao prever a expulsão gradual dos palestinos do norte de Gaza e sua concentração em áreas próximas à fronteira com o Egito.

“Netanyahu já deixou claro: ou os palestinos aceitam o plano, ou Israel fará ‘do jeito difícil’. Isso significa empurrar centenas de milhares de pessoas para fora de Gaza. É um projeto de transferência populacional — o eufemismo para expulsão em massa”, denunciou.


“Trump quer parecer pacificador, mas age como empresário”

O professor, que há décadas analisa a política externa dos EUA sob a ótica do realismo ofensivo, descreveu Trump como “um homem de negócios, não de princípios”.

“Trump não é um belicista. Ele não tem o impulso ideológico da guerra, como Biden e os democratas. Sua motivação é transacional: ele quer fechar acordos, abrir mercados e dizer que trouxe a paz — mesmo que isso custe a liberdade de milhões de pessoas”, disse Mearsheimer.

O analista também observou que Trump parece “visivelmente cansado” e “sem energia” ao lidar com as crises internacionais. “Ele é um homem de 79 anos, pressionado por dois conflitos sangrentos — a guerra da Ucrânia e o genocídio em Gaza. Quer encerrá-los, mas não tem os meios nem a coragem política para enfrentar Netanyahu”, avaliou.


Tony Blair e a “piada do Conselho da Paz”

O plano prevê a criação de um “Conselho da Paz”, que supervisionaria a transição em Gaza e contaria com figuras como o ex-premiê britânico Tony Blair. Mearsheimer ironizou a iniciativa: “Colocar Tony Blair em um conselho de paz é uma piada de mau gosto. É o mesmo homem que ajudou a destruir o Iraque ao lado de George W. Bush. Isso mostra o quão pouco sério é o plano de Trump. Não há paz possível com esse tipo de arquiteto.”

Segundo o professor, o plano não menciona a criação de um Estado palestino nem prevê autodeterminação real. “Ele apenas prolonga o controle israelense, travestido de transição administrativa supervisionada pelos EUA. É colonialismo com outra embalagem.”


“Israel está perdendo a guerra moral”

Mearsheimer destacou que o conflito em Gaza está corroendo a imagem de Israel no mundo: “A guerra está destruindo a reputação de Israel. O país se tornou símbolo da brutalidade e da impunidade. Mesmo nos Estados Unidos, cresce a oposição à guerra entre jovens e dentro do próprio Partido Republicano. Israel pode vencer militarmente, mas já perdeu moralmente.”

Para ele, a insistência de Netanyahu em seguir com a ofensiva, mesmo diante da pressão internacional, mostra desespero. “O exército israelense está exaurido, e as baixas são significativas. O chefe do Estado-Maior, escolhido por Netanyahu, era contrário à operação em Gaza, o que indica um nível de desgaste interno que não se via há décadas”, pontuou.


“Trump quer o acordo dos sonhos: Israel, EUA e Arábia Saudita juntos”

O professor afirmou ainda que Trump tenta usar o “plano de paz” como trampolim para um novo Acordo de Abraão, envolvendo Arábia Saudita, Israel e Estados Unidos. “Ele quer repetir 2020, quando vendeu a normalização de relações como um triunfo diplomático. Mas enquanto Gaza estiver em ruínas, nenhum país árabe sério vai assinar nada”, afirmou.

Mearsheimer lembrou que, recentemente, a Arábia Saudita se aproximou do Paquistão e da China, indicando desconfiança em relação a Washington. “Trump sonha com um megaacordo que reúna Israel, Riad e até o Irã, mas ignora que a política americana no Oriente Médio está falida. Ninguém mais confia nos EUA como mediador.”

Ao final da entrevista, Mearsheimer resumiu: “O plano de Trump não é um passo rumo à paz, mas à perpetuação da violência. Ele ignora as causas do conflito, deslegitima a resistência palestina e recompensa a ocupação. Se quiserem chamar isso de paz, que o façam. Mas o mundo inteiro sabe que se trata apenas de mais uma estratégia para manter o apartheid e garantir que Gaza continue sob controle israelense. Esse plano está morto antes mesmo de nascer.”