Sakamoto: O que pensam os 54% que não são petistas nem bolsonaristas e decidirão 2026

Atualizado em 6 de outubro de 2025 às 9:38
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente Lula (PT). Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O senso comum, amplificado pelas caixas de ressonância das redes sociais e pelo calor do debate político, tem nos convencido de que o Brasil está irremediavelmente polarizado, cindido em duas metades viscerais: petistas de um lado, bolsonaristas de outro. Essa dicotomia, na visão de muitos, seria suficiente para explicar não apenas a disputa eleitoral, mas a opinião da maioria dos brasileiros sobre todos os grandes temas políticos.

Bem, essa é a versão que gera manchetes e engajamento. Mas ela é, como toda simplificação, enganosa, segundo uma ampla pesquisa realizada pela ONG More in Common, em parceria com a Quaest, coordenada por Pablo Ortellado, professor de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo.

Ela desmonta essa interpretação e revela um panorama mais complexo e cheio de nuances. A polarização, na verdade, não é um fenômeno de massa que abarca toda a população, mas está concentrada nas pontas do espectro político, em minorias que, por serem extremamente vocais e engajadas, dominam o debate público e abafam a voz de uma vasta maioria.

O Brasil, segundo o estudo, não se divide em dois grupos que se veem como petistas ou bolsonaristas, direita ou esquerda, mas em seis segmentos ideológicos. E o pulo do gato está exatamente no tamanho desses grupos.

Se os grupos mais engajados continuam a gritar nas redes e a se engajar em manifestações, o poder de decisão ainda repousa sobre uma imensa maioria de brasileiros pobres, conservadores em seus valores, que veem importância nas políticas sociais, mas são desconfiados das elites. Foram mais de dez mil entrevistados, com margem de erro de apenas um ponto.

A maioria que ninguém ouve: os “invisíveis”

Os segmentos que formam as pontas polarizadas são pequenos. À esquerda, os Progressistas Militantes representam cerca de 5% da população. À direita, os Patriotas Indignados somam aproximadamente 6%. São esses os grupos mais engajados e ruidosos. Eles, inclusive, puxam consigo dois outros grupos de apoio, mais numerosos e menos engajados: a Esquerda Tradicional (14%) e os Conservadores Tradicionais (21%).

Juntos, no entanto, todos esses grupos somam 46% da população. Ocorre que os outros 54%, a tal maioria silenciosa, são compostos por dois segmentos gigantes, que o estudo batizou de Desengajados e Cautelosos. Cada um deles corresponde a 27% da população brasileira. O primeiro é mais progressista e o segundo, mais conservador, mas esses rótulos não explicam totalmente seu perfil ou comportamento.

“O que define esses segmentos intermediários é que eles estão sob um efeito bem mais suave da ação dos grupos polarizados. Se o que move o grupo mais conservador é a questão da moral, da ordem, dos valores familiares e o que move o grupo mais progressista é a justiça social, os grupos do meio assimilam as duas coisas ao mesmo tempo, em nuances”, explicou Ortellado ao UOL.

Esses dois segmentos são chamados pela pesquisa de os “Invisíveis” porque não estão polarizados na maioria das questões investigadas e preferem se afastar da política ruidosa. E é o pensamento desse bloco majoritário que precisa ser decifrado, pois é ele quem, no final das contas, detém o poder de decisão em qualquer eleição — como a que vai escolher um novo presidente no ano que vem.

“Os Progressistas Militantes e Patriotas Indignados, de um lado e de outro, são respaldados por grupos maiores de Esquerda e Conservadores. Mas o meião, apesar de contar com 54%, é o grande ausente do debate público. Esse campo intermediário é silenciado no debate público”, aponta Ortellado.

Nos grupos focais realizados para a pesquisa, essa maioria afirmou que não é despolitizada, mas foi afastada da política. Ela tem uma visão de mundo elaborada, preocupada com políticas sociais e valores, mas não compartilha posts políticos, não participa de manifestações e muitos nem vão votar.

Isso faz com que os segmentos de esquerda ou direita se sobressaiam e que a percepção coletiva sobre o debate político brasileiro ignore as opiniões dessa maioria. Em suma, quem é barulhento aparece — mas isso não significa que seja maioria.

Urna eletrônica. Foto: Reprodução

O perfil social da desmobilização

A desmobilização desses grupos não é sinônimo de despolitização, mas sim de um afastamento da política atual.

Os Desengajados (27%) são o grupo menos escolarizado (apenas 6% têm curso superior) e o mais pobre (65% têm renda menor que R$ 5 mil) — e, portanto, serão especialmente beneficiados pela isenção do Imposto de Renda proposta pelo governo e que deverá ser aprovada pelo Congresso. É também o segmento com maior proporção de pessoas que se declaram pretas (13%) e que já vivenciaram insegurança alimentar (12% não tiveram o que comer). Estão, portanto, na base da pirâmide socioeconômica e são os mais afetados pela precariedade, preocupando-se com a segurança econômica e os serviços públicos de saúde e combate à pobreza.

Sua distância da política eleitoral é evidente: 30% votaram branco, nulo ou não foram votar nas eleições de 2022. Apenas 15% consideram manifestações políticas importantes. Sua falta de identificação partidária é a maior entre todos os grupos (65% não simpatizam com partido nenhum, embora 21,5% simpatizem com o PT). E, embora 72% se identifiquem com valores conservadores, 46% não se definem nem como petistas nem como bolsonaristas.

Já os Cautelosos (27%) partilham parte dessa realidade: depois dos Desengajados, são o segmento menos escolarizado (11% com ensino superior) e mais pobre (55% com renda menor que R$ 5 mil). Também é o grupo com mais nordestinos (31%) e população rural (17%) e, assim como os Desengajados, 12% não tiveram o que comer em algum momento da vida. Os Cautelosos apresentam uma identidade mais marcante como conservadores (81%). Contudo, eles demonstram identidades desalinhadas, sendo 45% petistas e 40% de direita.

É um grupo que se destaca pela grande desconfiança em relação às elites, especialmente as intelectuais.

Em resumo, os dois grupos invisíveis no debate público têm maior incidência de baixa escolaridade, baixa renda e população negra, enquanto as pontas do debate são mais escolarizadas, mais ricas e mais brancas.

As “Guerras Culturais” não chegam ao miolo do povo

A pesquisa mostra que, mesmo nos temas que são o motor da polarização — as chamadas “guerras culturais”, que incluem moralidade, família, sexualidade, drogas e punição a criminosos —, a maioria invisível adota posições não polarizadas.

A posse de armas é um bom exemplo dessa moderação. Enquanto 93% dos Patriotas Indignados e 81% dos Conservadores Tradicionais concordam que “o cidadão de bem deve ter direito à posse de arma”, e apenas 9% dos Progressistas Militantes concordam com isso, os segmentos invisíveis se colocam no meio: 38% dos Desengajados e 55% dos Cautelosos concordam com a posse. Há uma variação muito maior nas posições dos seis segmentos do que na simples divisão por voto entre Lula (34% de concordância) e Bolsonaro (68% de concordância).

“Normalmente a gente lê pesquisa de opinião contrastando eleitor do Lula com o do Bolsonaro. E embora isso explique um pedaço da dinâmica social, ela tende a uma leitura dicotômica que ignora as nuances”, afirma Pablo Ortellado. Usando a questão da posse de armas como exemplo, ele defende que a posição das pessoas vai mudando aos poucos, entre um extremo e outro, como uma escadinha.

Outros temas de costumes confirmam o cenário de moderação, analisados com base em concordância ou discordância com declarações:

  • Punitivismo (“Os direitos humanos atrapalham o combate ao crime”): os Desengajados se dividem perfeitamente (50% de concordância e 50% de discordância). Os Cautelosos tendem mais à concordância (69%).
  • Movimento Negro (“Cotas raciais são uma forma de racismo”): os Desengajados concordam em 54%, enquanto os Cautelosos, em 67%.
  • Movimento Feminista (“A ideologia feminista é uma ameaça para a família brasileira”): entre os Desengajados, 69% discordam. Entre os Cautelosos, 54% concordam.

O anseio pela trégua

Apesar de toda a gritaria das minorias, a pesquisa mostra que há um cansaço com o conflito e que o desejo por união é um sentimento crescente e presente em todos os segmentos.

Uma ampla maioria de brasileiros acredita que o país tem mais coisas em comum do que diferenças. Nos Desengajados, esse percentual é de 70%, e nos Cautelosos, de 73%. O desejo por uma política menos beligerante é avassalador: uma ampla maioria, que atinge 92% entre os Desengajados e 96% entre os Cautelosos, gostaria que “todos os partidos políticos trabalhassem juntos para resolver os problemas do país”.

Os 54% que ninguém ouve podem não estar debatendo no X, mas sua moderação e anseio por união são o motor silencioso das eleições.