
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), publicou nas redes sociais uma mensagem sobre a premiação da venezuelana María Corina Machado com o Prêmio Nobel da Paz. O texto, que à primeira vista parece um comentário diplomático, termina com um recado político claro. Ao elogiar a opositora de Nicolás Maduro, Tarcísio escreveu que o prêmio “deve servir de exemplo para aqueles que vivem de narrativas, enquanto defendem esse regime execrável” e que “o Brasil precisa reencontrar o caminho da verdadeira liberdade”.
A frase final carrega uma crítica indireta ao governo Lula e ao Supremo Tribunal Federal, especialmente ao ministro Alexandre de Moraes, com quem o governador já teve embates públicos. Tarcísio sugere que o país teria se afastado da liberdade, retomando o discurso bolsonarista de que o Brasil vive sob “censura” e “autoritarismo” — narrativa que há anos alimenta o ressentimento da extrema direita contra as instituições democráticas.
O paradoxo é evidente. O campo político de Tarcísio foi o mesmo que tentou, com provas abundantes, impedir a posse de um governo eleito em janeiro de 2023. As investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Supremo reuniram mensagens, vídeos e delações que mostram a participação direta de aliados de Jair Bolsonaro — de quem o governador foi ministro — em planos para um golpe de Estado. O grupo chegou a redigir minutas de decreto para prender Moraes e anular o resultado das urnas.
O Nobel da Paz concedido a Maria Corina Machado tem um significado importante. Deslegitima o regime ditatorial de Maduro e mostra que o esforço para manter viva a chama da democracia em meio à escuridão não está passando despercebido por quem milita ao lado da verdade. Que essa… pic.twitter.com/JZrxkuloPD
— Tarcísio Gomes de Freitas (@tarcisiogdf) October 10, 2025
Diante desse histórico, o apelo de Tarcísio para que o Brasil “reencontre o caminho da verdadeira liberdade” soa, no mínimo, irônico. A liberdade que ele reivindica foi justamente atacada por integrantes de seu próprio campo político. Ao usar o Nobel da Paz na Venezuela como pretexto para insinuar autoritarismo no Brasil, o governador tenta inverter o papel das vítimas e dos responsáveis pela crise democrática recente.
O episódio também reacende a lembrança de ataques anteriores de Tarcísio a Alexandre de Moraes, a quem já acusou de “extrapolar funções” e de “perseguir conservadores”. Essas declarações o alinharam ao discurso mais radical do bolsonarismo e o colocaram em rota de colisão com o Judiciário. As consequências dessa retórica são claras: ao repetir o mantra de que o Brasil vive sob ameaça à liberdade, Tarcísio ajuda a sustentar a mesma narrativa que inspirou a tentativa de golpe de 2023 — e mantém viva a tensão institucional que o país tenta superar.