
Vinícius Jr. nunca se colocou publicamente como namorado, amante ou companheiro de Virginia Fonseca. Pelo contrário — parece ter se escondido, como mostraram os memes que circularam nas redes.
Mas bastou a exposição de conversas íntimas com uma modelo para que Virginia retomasse o protagonismo da história, afirmando que “não há mais nada” entre eles. Esse gesto, aparentemente banal, é revelador: mostra como a branquitude reage quando um homem negro ousa romper o script que lhe foi imposto — o papel da docilidade, da gratidão, da submissão.
Essa cena me atravessa porque, como homem negro retinto, já estive nesse mesmo lugar. Já me relacionei com mulheres brancas e, em mais de uma vez, me percebi diminuído. É difícil admitir, mas existe um ponto em que nós, homens negros, confundimos afeto com aceitação social. Crescemos sendo rejeitados — na escola, nas festas, nos aplicativos, nas rodas de amigos.
O corpo negro é lido como ameaça, nunca como desejo. Então, quando uma mulher branca nos escolhe, há um gatilho que sussurra: “você venceu”. Venceu o racismo, venceu o estigma, venceu o espelho. Mas essa vitória é falsa. Porque, no fundo, o que parece validação é apenas a continuação de uma estrutura que sempre nos mediu pelo quanto nos aproximamos da branquitude.
Eu senti isso. Senti a vaidade de andar de mãos dadas com uma mulher branca e ver olhares que pareciam, pela primeira vez, me enxergar. Mas também senti o silêncio pesado quando percebi que, no fim, só eu tinha algo a perder. Porque, quando o relacionamento acaba, quem fica com a marca da “ousadia” é o homem negro. A mulher branca segue limpa, intacta, a protagonista que pode se reescrever como vítima — e o homem negro volta a ser o de sempre: o exagerado, o ingrato, o problemático.
É esse o mesmo roteiro que se repete agora com Vinícius Jr. Ele, um dos maiores jogadores do mundo, virou alvo de piadas, especulações e julgamentos. A relação com Virginia, que poderia ser só uma história de duas pessoas adultas, se transforma num campo simbólico de disputa racial.
E a branquitude, acostumada a controlar a narrativa, não suporta quando um homem negro decide não se curvar, não pedir desculpas, não seguir o papel do coadjuvante agradecido. Isso faz com que Vini se sinta culpado e acabe postando uma carta de desculpas que, convenhamos, não era necessária.
Essa reação é antiga. Está enraizada num sistema que, desde a escravidão, definiu quem pode desejar e quem deve servir. Quando um homem negro se afirma, quando diz “não”, quando se permite errar, amar ou se afastar, ele desafia a estrutura. E a branquitude reage — com ironia, com ressentimento, com a tentativa de recolocar o negro no lugar de onde ele ousou sair.
Tupac Shakur viveu isso há quase 30 anos. Em uma carta escrita para Madonna, explicou por que terminou o relacionamento: temia decepcionar seus fãs negros e ser visto como alguém que havia “se vendido” à branquitude. Tupac entendia, com a dor de quem carrega uma história coletiva, que o amor interracial no mundo racista não é neutro — é político. O preço é sempre mais alto para o lado negro.
Por isso, o caso de Vinícius Jr. não é apenas fofoca de celebridade. Ele expõe o quanto o Brasil ainda está preso na armadilha de enxergar o negro como um corpo que só tem valor quando serve para confirmar o poder branco. E quando esse corpo ganha voz, protagonismo e autonomia, o incômodo aparece — porque o negro “livre demais” ainda é visto como ameaça.
Eu sei o que é isso. Sei o peso de ser lido como “valente” demais, “emocional” demais, “difícil” demais. Ser um homem negro é viver tentando provar humanidade num mundo que nos lê como exceção. E, quando nos aproximamos da branquitude, a linha é fina: entre o desejo sincero e o fetiche, entre o amor e a hierarquia, entre o afeto e o controle.
No fim, Vinícius Jr. talvez nem tenha querido representar nada. Mas acabou, sem querer, colocando o dedo na ferida: a de que o protagonismo negro incomoda. E incomoda porque revela que a branquitude nunca quis igualdade — quis controle.
Quando um homem negro se recusa a ser figurante, o sistema desaba um pouco. E é nesse ruído que mora a nossa liberdade.