
O advogado-geral da União, Jorge Messias, fez um discurso contundente contra a “pejotização” das relações de trabalho, defendendo a proteção social e a dignidade do trabalhador previstas na Constituição de 1988. O debate, feito em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) na última segunda-feira (6) e conduzido pelo ministro Gilmar Mendes, reuniu representantes do governo, juristas e entidades de classe para discutir os limites e os efeitos desse modelo de contratação. Messias classificou a prática como um processo que “corrói por dentro” as estruturas da legislação trabalhista brasileira.
“A ‘pejotização’ à brasileira, na verdade, tem se revelado uma verdadeira cupinização dos direitos trabalhistas brasileiros, porque ela corrói, por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social, fragilizando os alicerces sobre os quais se ergueu o Pacto Constitucional do Trabalho Digno e da Seguridade Social previstos na Constituição Federal de 1988”, afirmou o chefe da AGU.
Para ilustrar o desgaste e a invisibilidade do trabalhador submetido à precarização, citou a canção “Construção”, de Chico Buarque. “Como disse Chico Buarque em sua fortíssima canção Construção, ‘cada passo deu como se fosse o último’. A pejotização faz do trabalho essa travessia exaustiva, onde o esforço humano é consumido até o limite e o trabalhador é substituído sem deixar vestígios”.
Messias diferenciou a pejotização legítima, fruto da livre iniciativa e da autonomia empresarial, da prática abusiva, que disfarça vínculos empregatícios e enfraquece direitos.
“A pejotização, quando desvirtua a realidade, não cria liberdade, cria vulnerabilidade. Não emancipa, isola. Não valoriza o trabalho, precariza a vida”, disse. Ele alertou que muitas empresas, sob o discurso da modernização, vêm utilizando esse modelo para se desresponsabilizar de obrigações legais: “Não há autonomia quando o mercado impõe a pejotização como condição para o emprego”.
Veja o momento da fala de Messias:
O AGU também apresentou dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostrando que 40% dos trabalhadores em situação irregular estavam vinculados a formas de pejotização em 2022.
Segundo o levantamento, 55% deles recebiam até R$ 6 mil por mês, e o fenômeno se expandia para ocupações de baixa renda. Messias mencionou ainda estimativas que apontam prejuízos superiores a R$ 60 bilhões à Previdência Social e R$ 24 bilhões ao FGTS entre 2022 e 2024, devido à evasão de contribuições. “É o pacto social de 1988 que se esvai gota a gota em nome de uma falsa modernidade”, declarou.
Defendendo o papel da Justiça do Trabalho, Messias ressaltou que cabe a ela preservar a verdade material das relações laborais: “É nessa jurisdição que o princípio da primazia da realidade cumpre seu papel constitucional, impedindo que o direito seja manipulado como instrumento de exclusão”.
Ele pediu que o STF estabeleça critérios objetivos para diferenciar contratações legítimas de fraudes e lembrou que a liberdade econômica não pode servir de justificativa para o esvaziamento de direitos fundamentais: “Não há liberdade real quando a única alternativa é abrir um CNPJ para manter o sustento da família”.
Encerrando sua fala, Messias reafirmou que o país precisa conciliar eficiência produtiva e justiça social. “O trabalho vence todas as coisas. É pelo trabalho digno, e não pela precarização, que se ergue uma nação justa, produtiva e solidária”, concluiu, citando a expressão latina labor omnia vincit.