Contra o mau gosto e o sucesso fácil, Dori Caymmi lamenta rumo da música brasileira

Atualizado em 12 de outubro de 2025 às 9:21
Dori Caymmi em sua casa em Petrópolis, região serrana do Rio. Foto: Reprodução/ Folha de S.Paulo

No Rio de Janeiro, aos 82 anos, o violonista e compositor Dori Caymmi lança o álbum “Utopia”, pela gravadora Biscoito Fino, e aproveita para desferir duras críticas ao cenário atual da música brasileira. Para ele, o país vive “um momento de mau gosto e vazio artístico”, onde o sucesso se mede apenas pela fama fácil. “A música brasileira está doente. Virou uma coisa de ser famoso, de fazer sucesso. O sucesso normalmente vem com algo fácil de entender e cantar”, afirma o filho de Dorival Caymmi. Com informações da Folha de S.Paulo.

O músico, um dos grandes nomes da MPB e herdeiro de uma das famílias mais tradicionais da canção nacional, define o novo trabalho como uma resistência silenciosa à superficialidade dominante. “Toda a música que eu faço é utópica. Num momento tão antimusical, meu disco não tem a menor possibilidade de uma divulgação decente”, lamenta. Em seu novo trabalho, Dori se mostra fiel à própria essência: introspectivo, crítico e avesso ao espetáculo midiático.

O disco, produzido por Jorge Helder, traz o artista retratado com expressão séria em uma pintura feita pelo pai, Dorival Caymmi, para a capa. A imagem simboliza a figura do “tô de mal” da clássica “Marina”. “Pode ter existido uma Marina na vida do meu pai, não duvido. Mas o ‘tô de mal’ sou eu”, brinca. O álbum reafirma sua parceria com o poeta Paulo César Pinheiro, com quem compôs canções como “Viageiro” e “Navegação”, e também o marca como um dos últimos representantes de uma geração voltada à harmonia e à sutileza.

Desde a morte dos pais, em 2008, Dori diz ter perdido o impulso de compor melodias próprias. “Apagou a vontade em mim. A música de mau gosto do entorno contribuiu para minha decisão”, confessa. Ainda assim, mantém vivas parcerias que marcaram época, como as com Nelson Motta, Jorge Amado e Chico Buarque, que resultaram em obras como “Saveiros”, “O Cantador” e “Alegre Menina”.

A família Caymmi, a partir da esquerda: Danilo, Dori, Dorival e Nana, em antigo registro no Rio. Foto: Reprodução/ Folhapress

Com ironia habitual, Dori compara a atual cena musical a um espetáculo coreografado para o consumo imediato. “Eu não posso botar roupa brilhante e chamar 12 bailarinos para dançar comigo. Isso não sou eu”, dispara. Para ele, o problema não está apenas no público, mas também na formação dos artistas. “Há uma ambição muito grande de estar no palco. Agora está pior. Todo mundo quer ser Ivete”, diz, sem disfarçar o descontentamento com o rumo do entretenimento musical ao fazer analogia com a cantora baiana.

Mesmo com críticas severas, o compositor evita se colocar como salvador da tradição. “Não quero que ninguém me siga. Só aqueles que gostam de minha música”, resume. A frase revela sua postura de isolamento voluntário, uma espécie de eremitério artístico que reforça seu lugar como guardião da elegância harmônica e da herança de seu pai.

As memórias familiares atravessam o disco e a fala de Dori. Ele relembra o aprendizado com João Gilberto, o fascínio pelas canções praieiras do pai e a convivência com a irmã Nana, falecida recentemente. Apesar das divergências políticas e do temperamento forte, reconhece a importância dela como intérprete de sua obra. “O que eu tenho saudade da Nana é do trabalho. O pau sempre comeu, mas a cantora era uma amada”, admite.

Distante dos modismos, Dori segue fiel à harmonia refinada que o consagrou. Entre ironias e desabafos, o artista reafirma sua utopia: preservar a beleza e a autenticidade da música brasileira em meio à avalanche do banal. “Ser purista ou reacionário já não me importa. O que importa é o som bonito, o som verdadeiro.”

Lindiane Seno
Lindiane é advogada, redatora e produtora de lives no DCM TV.