Indicações ao STF seguem tradição de confiança pessoal, diz cientista político

Atualizado em 19 de outubro de 2025 às 13:03
Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP e cientista político — Foto: Nilani Goettems/Valor/2-9-2025

Em entrevista ao Globo, o cientista político Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito SP, afirmou que a provável escolha de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal (STF) segue uma tradição brasileira: presidentes indicam nomes de sua confiança pessoal e política. Segundo ele, o “trauma” do Mensalão e da Lava-Jato levou Lula e Dilma a adotar posturas mais defensivas, priorizando aliados próximos. Vilhena avalia ainda que o protagonismo do STF é inevitável, dado o peso da Constituição de 1988, e defende que o tribunal adote decisões mais colegiadas para reduzir a percepção de viés político.

O que a provável escolha de Jorge Messias, que tem 45 anos e até outro dia estava fora da vida política, diz sobre o processo de escolha de ministros do STF nos últimos anos?

O modelo implementado desde 1891 (quando o STF foi instalado) é um modelo em que o presidente normalmente faz escolhas dentro do universo de pessoas com quem tem alguma relação de confiança. Isso se converte na escolha de muitos ministros da Justiça que se tornaram ministros do STF, muitos procuradores da República… É uma tradição. Depois de 1988, essa tradição se ampliou também para a AGU e para a assessoria jurídica da Presidência. São posições muito íntimas do presidente. O modelo brasileiro gerou isso. Não colocaria o caso atual como diferenciado. Tem sido assim.

O Mensalão e a Lava-Jato intensificaram isso? Antes, havia mais casos de juristas que não ocupavam cargos em governos.

É aí que eu iria chegar. Mudou, e a percepção da mudança, embora tenha aumentado especialmente a partir do Mensalão, foi não só pela jurisdição penal do Supremo, mas também pela grande quantidade de temas de potencial político, econômico, social e moral que passou a ser decidida na Corte. O reconhecimento do Supremo enquanto arena importantíssima na qual são tomadas ou reparadas inúmeras decisões deu maior clareza aos presidentes do cuidado que deveriam tomar na escolha dos ministros. Essa clareza existia, por exemplo, durante o regime militar, tanto que cassou ministros e indicou outros de confiança. Getúlio Vargas fez a mesma coisa. Essa ideia, talvez um pouco ingênua, de que o Supremo seria o lugar dos grandes juristas até acontece eventualmente, e às vezes esses grandes juristas gozam da confiança dos presidentes, mas é muito difícil haver uma escolha por alguém em quem não confiem. Fernando Henrique, por exemplo, embora tenha escolhido Ellen Gracie, a primeira mulher do Supremo e com quem não tinha uma relação direta, também escolheu Gilmar Mendes, que era seu assessor jurídico, e Nelson Jobim, ministro da Justiça.

O próprio Lula nomeou juristas que não eram de seu grupo político ou jurídico nos outros mandatos. Agora, tem optado apenas por nomes mais ligados a si. O que mudou no caso dele?

O presidente Lula indicou excelentes ministros na sua primeira passagem pela presidência, como Cezar Peluso e Ayres Britto, que eram pessoas de destaque como jurista. Precisava-se também de um juiz negro, e ele fez a escolha pelo Joaquim Barbosa, outro jurista destacado. Lula jogou por essa cartilha mais vocacionada para a indicação de grandes juristas, e evidentemente o que aconteceu com o Mensalão e com a Lava-Jato o levou a uma postura muito mais defensiva. Tanto ele quanto Dilma ficaram traumatizados. Agora, então, ele volta a uma postura mais defensiva, como foi a do Fernando Henrique, a do José Sarney. Voltamos à tradição.

(…)É possível vislumbrar um STF menos protagonista da vida política ou se trata de um processo irreversível?

Ao Supremo foram conferidas competências que necessariamente levam ao protagonismo. Primeiramente, uma Constituição imensa, detalhista, que faz todo conflito ser de natureza constitucional. Depois, ele tem competência de Corte constitucional, de tribunal de recursos e de tribunal de primeira instância para casos criminais. É muito difícil escapar de assumir a responsabilidade por decisões de enorme impacto. O Supremo não é um usurpador, ele recebeu a delegação do corpo político para uma função extremamente difícil. O que o STF pode e deveria fazer é cuidar para que, quando é cobrado a tomar decisões, essas decisões sejam tomadas de forma colegiada, o que reduz muito o impacto sobre a acusação de arbítrio, de viés ideológico etc. Quando for capaz de realmente agir de forma colegiada, isso reduzirá a percepção de politização.