O livro sobre caso Epstein que afastou de vez o príncipe Andrew da realeza

Atualizado em 21 de outubro de 2025 às 13:20
O príncipe Andrew, filho da rainha Elizabeth II. Foto: Divulgação

Publicado na RFI

Foi lançado nesta terça-feira (21) o livro Nobody’s Girl: A Memoir of Surviving Abuse and Fighting for Justice, da norte-americana Virginia Roberts Giuffre, principal acusadora do príncipe Andrew no escândalo internacional de tráfico sexual envolvendo o financista e pedófilo Jeffrey Epstein. A obra póstuma [Ed. Knopf, 2025], chega seis meses após o suicídio de Virginia, 41, em sua casa na Austrália, aumentando ainda mais a pressão sobre o irmão do rei Charles III.

Escrito em parceria com a jornalista Amy Wallace, o livro de 400 páginas revela em detalhes a trajetória de Virginia, desde sua adolescência, quando foi recrutada aos 16 anos por Ghislaine Maxwell no resort Mar-a-Lago, propriedade de Donald Trump, na Flórida. A jovem, então funcionária de um spa, foi levada à mansão de Epstein sob a promessa de aprender técnicas de massagem. Lá, segundo seu relato, começou a ser abusada sexualmente e traficada para diversos homens poderosos, incluindo acadêmicos, bilionários, políticos — e o príncipe Andrew.

Após a divulgação dos primeiros trechos pela imprensa britânica, Andrew anunciou na sexta-feira (17) que abriria mão do título de duque de York, sob pressão do irmão, o rei Charles III. Parlamentares britânicos pedem medidas mais duras, como a retirada formal de todos os títulos do príncipe, 65, afastado da família real desde 2019 por seus vínculos com Epstein.

Em Nobody’s Girl, Virginia descreve três encontros sexuais com Andrew, um deles em Londres, em março de 2001, quando ela tinha 17 anos. Segundo ela, o príncipe agia como se “fazer sexo com ela fosse seu direito de nascença”. A primeira vez teria ocorrido na casa de Maxwell, após uma noite no clube Tramp, no centro de Londres. “Ele era simpático, mas tinha um ar de autoridade, como se acreditasse que aquilo lhe pertencesse”, escreveu. A segunda ocasião teria sido em Nova York, onde foi tirada a famosa foto dos dois juntos, e a terceira em uma ilha privada de Epstein no Caribe.

O livro também revela que Epstein pagou US$ 15 mil a Virginia por “servir ao homem que os tabloides chamavam de Randy Andy”. A narrativa é marcada por momentos de dor, confusão e resistência. Em um dos trechos, Virginia relembra uma visita ao Louvre, em Paris, em junho de 2021, durante uma viagem para prestar depoimento. “Estou aqui para enfrentar quem me feriu. Estou aqui para recuperar minha vida”, escreveu.

Trump & Epstein

A publicação reacende o debate sobre os vínculos entre Epstein e figuras da elite global. Embora o nome de Donald Trump apareça pouco, o livro menciona que Virginia o conheceu pessoalmente e que ele sempre foi “gentil” com ela. Segundo Amy Wallace, Virginia via Trump como alguém que prometia divulgar documentos do caso Epstein, o que nunca se concretizou.

Antes de morrer, Virginia enviou um e-mail à coautora expressando seu desejo de que o livro fosse publicado independentemente das circunstâncias. “A verdade precisa ser compreendida. Este livro pode impactar muitas vidas e fomentar discussões necessárias sobre injustiças graves”, escreveu. A mensagem teria sido enviada em 1º de abril de 2025, cerca de três semanas antes do falecimento de Giuffre, ocorrido em 25 de abril.

A obra já figura entre os mais vendidos no site britânico da Amazon e provocou reações imediatas. O príncipe Andrew, que já havia sido afastado da vida pública em 2019, renunciou ao título de duque de York na última sexta-feira, sob pressão do rei Charles III. Parlamentares britânicos pedem que ele seja formalmente destituído de todos os títulos reais.

Fonte de constrangimento para a família real

Envolvido também em uma investigação sobre espionagem chinesa, Andrew continua sendo fonte de constrangimento para a família real. O lançamento do livro ocorre na véspera da visita oficial de dois dias do rei Charles e da rainha Camilla ao Vaticano.

No livro, Virginia também afirma que o príncipe tentou desacreditá-la e destruir sua reputação. A polícia de Londres anunciou no domingo que investiga uma denúncia de que Andrew teria ordenado a um oficial que buscasse informações para difamar Giuffre.

Virginia Roberts Giuffre. Foto: Divulgação

As revelações reacendem o debate sobre o estilo de vida e a situação financeira de Andrew. Segundo o jornal The Times, o príncipe vive desde 2003 em uma mansão de 30 cômodos chamada Royal Lodge, no terreno da propriedade real de Windsor, sem pagar aluguel. O contrato de locação vai até 2078.

A propriedade pertence ao Crown Estate, órgão que administra os bens da Coroa em benefício dos contribuintes britânicos. Andrew teria pago cerca de 1 milhão de libras pelo direito de uso e investido mais de 7,5 milhões de libras em reformas. Desde então, o aluguel tem sido simbólico, segundo o contrato obtido pelo jornal.

O Times também questiona as fontes de renda do príncipe, que perdeu uma pensão anual de mais de 1 milhão de libras concedida por Charles III. O custo de sua segurança, que não é mais coberto pelo rei, é estimado em 3 milhões de libras por ano.

Nos últimos meses, a imprensa britânica revelou que Charles tentou convencer Andrew a deixar a Royal Lodge e se mudar para uma residência mais modesta — sem sucesso.

Enquanto isso, o site oficial da família real britânica atualizou o perfil de Andrew, retirando o título de duque de York.

“Vitória”

Segundo Amy Wallace, coautora das memórias, Virginia consideraria a renúncia aos títulos como uma vitória. Wallace defende que Andrew se coloque à disposição da Justiça norte-americana.

O príncipe evitou um julgamento em Nova York ao pagar milhões de dólares a Virginia, que o processou em 2021. Ele sempre negou as acusações. “Andrew disse que estava disposto a colaborar com os investigadores dos EUA”, afirmou Wallace à BBC na noite de segunda-feira, lamentando que ele nunca tenha se mostrado disponível. “Ainda é algo que ele poderia fazer”, acrescentou.

Ela sugeriu que o príncipe poderia dizer: “Continuo negando qualquer envolvimento… no entanto, estive nessas casas, estive naquela ilha, estive naquele jato, vi coisas, sei o quanto essas mulheres sofreram e gostaria de compartilhar o que presenciei”.

O deputado norte-americano Pete Sessions, membro da comissão do Congresso que investiga o caso Epstein, reforçou: “Seria interessante saber o que ele sabia, o que viu”, disse à BBC.