
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Um dos resultados mais vistosos do lobby em Brasília foi a aprovação do PL do Veneno, acelerando o processo de registro de agrotóxicos no país. Lula sancionou o projeto barrando alguns pontos no final de 2023, mas, menos de seis meses depois, o Congresso Nacional derrubou os vetos presidenciais.
Com isso, o poder de decisão fica concentrado no Ministério da Agricultura e Pecuária, reduzindo a autonomia da Anvisa e do Ibama. O que é a raposa cuidando do galinheiro.
Reportagem de hoje de Julia Affonso e Tiago Mali, no UOL, mais uma na boa série que estão publicando sobre a força do lobby, trata hoje da pressão do agro — extremamente organizada e poderosa.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, principal destino de químicos proibidos em outros países e plataforma de exportação de mercadorias produzidas com veneno. Sim, agrotóxicos banidos nos Estados Unidos, na União Europeia e em alguns de nossos vizinhos latinos correm por aqui soltos, contaminando água, terra e ar. E, por conseguinte, milhões de pessoas.
E não são apenas os proibidos. Talvez um pepino tão grande quanto sejam os permitidos usados sem o devido cuidado e em quantidade maior do que o meio pode suportar.

Mesmo quando o governo faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos causam aumento de custos e vão para a briga. Entende-se o lado deles, mas aceitar algo que não está de acordo com os padrões mínimos é uma bomba-relógio que explode em algum momento. Na saúde e nas exportações.
“Faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente.” “Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, causem efeito à saúde.” Adoro o discurso do lobby usado na defesa do indefensável. Mas tem que ter classe para saber usá-lo, criar o contexto correto, ter cara de pau, parecer acreditar naquilo. Bombar através de influenciadores, treinar parlamentares para usá-lo, garantir sua presença constante na mídia.
E muita gente, claro, engole feito um bebê. Perda de empregos, falta de comida, interesses estrangeiros, hecatombe maia, Godzilla, tudo é usado como desculpa para continuar passando por cima. Alguém já viu filmes promocionais de empresas que produzem agrotóxicos? É de chorar de emoção.
As análises feitas na água e nos alimentos no Brasil mostram que já estamos em um cenário preocupante. Por exemplo, uma pesquisa publicada em 2021 pelo Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) revelou que 59% dos ultraprocessados mais consumidos no país, como cereais matinais, bolachas, bebidas lácteas e pães, tinham resíduos de agrotóxicos. Em 14 dos 27 produtos analisados, foi identificada a presença de glifosato ou glufosinato, herbicida relacionado à má formação embrionária e a problemas no sistema nervoso central em cobaias.
E se está no alimento, também está na água que sai da sua torneira. A Repórter Brasil vem mostrando através do seu Mapa da Água que dezenas de cidades do país apresentam agrotóxicos acima do limite em suas águas. Os dados são resultados de testes realizados por empresas ou órgãos de abastecimento e enviados ao Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano), do Ministério da Saúde. Dos 27 pesticidas monitorados na água do país, 19 são tão perigosos à saúde que foram proibidos na União Europeia e cinco são “substâncias eternas”, tão resistentes que nunca se degradam.
Há muita informação científica disponível para refutar os que alegam que “faltam estudos” e “não há dados” sobre o veneno, alegações não raro amparadas por pesquisadores bancados exatamente com o dinheiro do lobby.
Seria salutar se os executivos das empresas, seus lobistas, parlamentares e governantes amigos consumissem apenas alimentos e água dos locais onde os problemas relatados acontecem. Mas boa parte deles não é suicida.
Aqui, a falta de transparência para o lobby envenena a sociedade. Literalmente.