
A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, de autorizar a transferência do ministro Luiz Fux da Primeira para a Segunda Turma da Corte abriu um impasse jurídico e político que deve impactar diretamente os processos da Operação Lava Jato e os julgamentos relacionados à tentativa de golpe de Estado de 2022. A mudança, formalizada na quarta-feira (22), cria dúvidas sobre o futuro das ações e sobre a nova correlação de forças dentro do tribunal.
A migração de Fux ocorre em um momento sensível, quando a Primeira Turma, que até agora conduzia os casos da trama golpista, se prepara para julgar os recursos dos condenados, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O ministro foi o único a votar pela absolvição de Bolsonaro no julgamento de setembro, o que teria isolado sua posição entre os colegas. Mesmo deixando o colegiado, Fux tenta manter o direito de participar das próximas etapas do processo, argumentando que o regimento interno do Supremo é omisso sobre a continuidade de ministros em casos que já iniciaram com sua participação.
“Queria deixar claro a Vossa Excelência que eu tenho várias circulações de processos na Primeira Turma e eu queria me colocar à disposição para participar de todos os julgamentos, se for do agrado dos senhores”, disse Fux ao ministro Flávio Dino, presidente da Primeira Turma.
A questão será analisada por Fachin, que pretende definir uma solução em diálogo com Dino e Gilmar Mendes, chefe da Segunda Turma.
O regimento interno do STF prevê que ministros aposentados ou afastados sejam substituídos, mas não detalha o procedimento em casos de transferência entre turmas. Por isso, há brechas que permitem que Fux atue temporariamente em ambas as turmas para encerrar julgamentos iniciados sob sua relatoria. Se essa interpretação prevalecer, o ministro poderia votar nos recursos da trama golpista e depois dedicar-se integralmente aos novos processos da Segunda Turma.

A troca também tem repercussões diretas na Lava Jato. Com a saída de Fachin da relatoria ao assumir a presidência do Supremo, os processos haviam sido redistribuídos a Luís Roberto Barroso, que se aposentou em setembro.
A vaga aberta será ocupada por um novo ministro indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas a legislação impede que os processos da Lava Jato que tramitam na Segunda Turma sejam transferidos para a Primeira. Assim, caberá à presidência decidir se Fux herdará todo o acervo ou se haverá sorteio entre os integrantes da turma.
O precedente mais recente data de 2017, quando Fachin herdou os processos após a morte de Teori Zavascki. Na ocasião, o entendimento foi pela redistribuição por sorteio, e o próprio Fachin acabou sorteado. Em 2023, porém, o caso foi diferente: ao migrar para a Segunda Turma após a aposentadoria de Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli herdou automaticamente o acervo do ex-colega, inclusive casos laterais da Lava Jato.
Internamente, ministros reconhecem que a decisão sobre o destino dos processos será o primeiro grande teste da presidência de Fachin. O artigo 38 do regimento interno, que define a substituição do relator em casos de morte ou aposentadoria, é silente sobre mudanças voluntárias de turma, abrindo margem para interpretações distintas.
A mudança também afeta a composição política da Segunda Turma. Fux se junta agora a Gilmar Mendes, Dias Toffoli, André Mendonça e Kassio Nunes Marques, os dois últimos indicados por Jair Bolsonaro. Com isso, forma-se um possível bloco de três ministros com perfil mais conservador, capaz de desequilibrar votações e desafiar a liderança de Gilmar e Toffoli em temas sensíveis, como decisões do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Fux tem posição histórica favorável ao compartilhamento de dados financeiros com autoridades policiais sem autorização judicial prévia, tese oposta à maioria anterior da turma.
Enquanto isso, a Primeira Turma, agora composta por Flávio Dino, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin, deve manter o cronograma dos julgamentos relacionados à tentativa de golpe. A expectativa é que até o fim de dezembro o Supremo conclua a análise dos recursos e inicie o cumprimento das penas definitivas dos condenados.