
Originalmente publicado em O Cafezinho
Nesta quarta-feira, Ciro Gomes registrou sua filiação ao PSDB numa cerimônia com a presença das figuras mais extremistas da direita cearense, como André Fernandes e Capitão Wagner.
A entrada no PSDB, um partido contaminado pela extrema-direita e com histórico ultraliberal, causou alvoroço na opinião pública local e nacional, pois o ex-ministro é uma figura muito conhecida no país, por ter participado em diversas campanhas presidenciais.
A maior preocupação, contudo, reside no próprio Ciro Gomes, porque seu ressentimento, ódio, destempero e violência verbal acabaram por dar um tom fortemente antidemocrático a seus discursos.
Ciro perdeu a capacidade de participar do debate com civilidade, uma virtude que é um pilar da democracia. Seu ódio puro o radicalizou de forma oposta ao que Tasso Jereissati preconiza para o PSDB no discurso que ele próprio fez antes de Ciro, nesse mesmo dia.
Ele trata o adversário político como um inimigo moral absoluto, que deve ser exterminado. Como que para marcar mais ainda a violência da sua fala, ele repetiu duas vezes no discurso a expressão “pelo Brasil morro, mas pelo Ceará eu mato”.
Claro que Ciro Gomes fez contribuições importantes para o debate, como a ideia de um projeto nacional. Mas o que ele e sua base cultivada nas redes sociais parecem não entender é que não existe projeto nacional sem uma construção política, democrática, que precisa ser feita através do diálogo tranquilo, lhano, educado, respeitoso.
Ao introduzir uma enorme violência na retórica política, estranha à nossa tradição e nociva a um debate saudável, Ciro fez um grande mal à democracia brasileira.
Essa violência é justamente o defeito capital do movimento bolsonarista, cujos exageros e truculência inaudita na linguagem fizeram a sociedade valorizar a civilidade.
As contradições ideológicas de Ciro Gomes tem ido muito além das ambiguidades tradicionais da luta política.
Em seu discurso, o principal elogio de Ciro se destinou ao deputado federal André Fernandes (PL), um bolsonarista raiz que apoia os ataques ao STF e o genocídio em Gaza.
André Fernandes também assina um projeto de lei que prevê condecoração ao policial que mais matar gente, o que é uma iniciativa absolutamente fascista e perigosíssima, pois pode incentivar a matança indiscriminada.
Ciro tem se calado sobre geopolítica justamente para não constranger essas posições ultrarreacionárias de seus novos aliados.
Sua militância digital, virulenta e fechada, acabou se tornando muito parecida com ele. No meio desse malabarismo, acabam ficando em um “não lugar” da política. Não conseguem adeptos à direita, pelas razões de sua formação trabalhista, nem ao centro e esquerda moderada, por sua incivilidade, grosseria e intolerância.
O que está em jogo no Brasil hoje, assim como em todo o mundo, é como organizar a resistência democrática ao movimento de extrema-direita de natureza fascista.
Por essa razão, é muito frustrante ver Ciro Gomes se calando diante de atos como o bombardeio de barcos no Caribe pelo governo Trump, sob o pretexto de que são traficantes. É absoluta barbárie, assassinato a sangue frio, matar pessoas sem julgamento, sem transparência, sem explicação. Essas ações de terrorismo estatal, que já provocaram protestos da Anistia Internacional e da ONU, encontram apoio, porém, na extrema-direita brasileira, a ponto do senador Flávio Bolsonaro (PL) pedir que os Estados Unidos atacassem barcos na Baía de Guanabara. Se Ciro realmente quer voltar ao debate, precisa se posicionar sobre as grandes questões do nosso tempo.
O seu destempero, que Tasso Jereissati reconheceu indiretamente ao elogiar a esposa de Ciro por lhe trazer “estabilidade emocional”, deixou há muito tempo de ser uma simples excentricidade. É algo mais perturbador, sinistro, antidemocrático, como as agressões misóginas contra a ex-senadora e agora prefeita de Crateús,Janaína Diniz.
Outro ponto estranho no discurso de Ciro foi a sua acusação reiterada de ter sido “traído” em 2022, referindo-se, embora sem dizer o nome, ao seu próprio irmão, o senador Cid Gomes.
Ciro parece ver a política sob um prisma absolutamente pessoalista, pois Cid Gomes ficou onde estava, na luta contra valores da direita. Ao insistir nessa narrativa de traição, Ciro sinaliza que não quer diálogo nem com a própria família. Essa atitude fechada, obviamente, não o ajudará a construir uma frente ampla competitiva para disputar o poder no Ceará.
Ciro também fez muito mal ao PDT, transformando o partido em alvo da fúria de toda essa militância fechada que ele cultivou. O PDT apostou em Ciro Gomes, organizou duas campanhas presidenciais e deu quase todo o fundo eleitoral para ele. Ciro Gomes retribui com uma militância que só quer destruir o PDT, o que é visível nas redes sociais das principais lideranças do partido, permanentemente asfixiadas por mensagens de ódio da própria militância cirista.
As chances reais de Ciro Gomes no cenário nacional são limitadas, estimadas entre 1% e 10% dos votos. Isso significa que sua candidatura ficaria desidratada já na largada, sem chance real de chegar ao segundo turno.
Todas essas contradições, do alinhamento com o fascismo à linguagem hostil, tendem a vir à tona, criando constrangimentos para o próprio PSDB. A ideia de que Ciro controlaria o PSDB nacional é risível diante da presença de figuras como Beto Richa e Aécio Neves. Além disso, seu ingresso ainda nem foi homologado e já começa a enfrentar problemas e conflitos internos, como o pedido formal do ex-governador Eduardo Azeredo para bloquear sua filiação, por causa das agressões passadas de Ciro Gomes a Fernando Henrique Cardoso, José Serra e ao próprio PSDB.