
A respeito da reunião bilateral, atrevo-me, talvez com certa imprudência, a interpretar o encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, hoje em Kuala Lumpur, não pela política, cujo conteúdo permanecerá envolto em reserva diplomática, mas pela semiótica, mais precisamente pela imagética — esse território em que os corpos revelam o que as palavras preferem omitir. No vídeo da conferência pré-reunião reservada, o essencial não está no que se diz, mas no que se move e, sobretudo, em como se move. O que se viu ali não foi propriamente uma conversa entre chefes de Estado, mas o contraste claro entre quem domina a arte de governar e quem ainda joga peladas na várzea da política internacional.
Lula, recostado na cadeira, parecia não apenas confortável, mas dono da situação, em paz com o próprio ofício. O gesto calmo, o olhar sereno e a respiração medida sugeriam a experiência de quem aprendeu que o silêncio pode ser a forma mais sofisticada de poder. Trump, ao contrário, inclinava-se para a frente com impaciência, como quem teme sair do foco da câmera. Por não compreender os códigos da diplomacia, e muito menos os da negociação adulta, não se deu conta de que estava ali para dialogar, e não para posar. A imagem, inevitavelmente, registrou a diferença entre o profissional e o amador.
Às margens da cena principal, seis coadjuvantes completavam a composição, dispostos em simetria quase botânica, como árvores alinhadas em uma alameda. Do lado brasileiro, três diplomatas de longa estrada observavam com atenção e serenidade, conscientes de que as conversas mais importantes acontecem, muitas vezes, nos silêncios entre as frases. Do lado norte-americano, três assessores sem qualquer lastro diplomático engalfinhavam-se pelo melhor enquadramento para suas redes sociais, tentando erguer o pescoço além da própria estatura, num esforço quase físico para parecerem parte de algo que não compreendiam. As expressões revelavam uma mistura de ansiedade em busca da aprovação do chefe e ignorância ampla, geral e irrestrita sobre o que realmente se passava. Era, em suma, o trumpismo em estado puro.
Há quem imagine que possa haver algum tipo de negociação racional com Donald Trump. Enganam-se. O “tarifaço” anunciado pelo ex-presidente norte-americano não nasceu de qualquer análise econômica, e sim da mente delirante de Peter Navarro, um assessor cuja relação com a realidade é puramente decorativa. Os índices, como se sabe, foram inventados do nada: vozes da cabeça transformadas em estatísticas de conveniência.
Trump manipula esses números com a mesma seriedade com que Damares Alves descreve suas epifanias na goiabeira. Hoje mesmo anunciou um aumento de 10% nas tarifas sobre o Canadá, não por qualquer motivo econômico, mas porque o governo canadense exibiu uma mensagem gravada em vídeo por Ronald Reagan. Se houvesse um fiapo de lógica nessa operação, a tarifa seria zerada como compensação simbólica pelo custo civilizatório de obrigar uma nação inteira a assistir Ronald Reagan.
Diz-se que o encontro foi proveitoso para o Brasil, e tudo indica que Lula e sua equipe conseguiram o que buscavam, ou pelo menos evitaram o que temiam. É cedo, contudo, para medir o alcance do gesto. A diplomacia tem seus próprios relógios, e eles raramente marcam o tempo da imprensa. Ainda assim, paira sobre a imagem uma sensação discreta de dever cumprido, de serenidade obtida sem alarde.
Tive uma ótima reunião com o presidente Trump na tarde deste domingo, na Malásia. Discutimos de forma franca e construtiva a agenda comercial e econômica bilateral. Acertamos que nossas equipes vão se reunir imediatamente para avançar na busca de soluções para as tarifas e as… pic.twitter.com/aTXZthrb9Z
— Lula (@LulaOficial) October 26, 2025
O que virá desse encontro ainda é um enigma. Mas, diante da grosseria trumpiana dirigida à jornalista da Globo, há um efeito imediato, concreto e inescapável: as viúvas de Jair Bolsonaro, órfãs do mitômano encarcerado, terão de escolher entre continuar a ser humilhadas por Trump ou … continuar a ser humilhadas por Trump. O dilema é circular, sem linha de fuga, mas talvez pedagógico. Nessa roda em que a cabeça insiste em morder o próprio rabo, descobrirão, cedo ou tarde, que a devoção servil não rende respeito; apenas prolonga a vergonha.
No fim, a cena persiste: Lula relaxado, dono de si; Trump tenso, prisioneiro da própria imagem. O Brasil sereno, os Estados Unidos inquietos. E uma fotografia que, no futuro, talvez sirva não como registro de uma conversa entre dois líderes, mas como lição sobre a diferença essencial entre maturidade política e histeria midiática.