
O resultado oficial das eleições legislativas de 26 de outubro de 2025 confirmou o avanço do presidente argentino Javier Milei e de seu partido, La Libertad Avanza (LLA), que venceu com 40,6% dos votos. O peronismo (Fuerza Patria) obteve 31,6% dos votos.
No entanto, o peronismo resistiu. O principal bloco peronista (Fuerza Patria) manteve a maior bancada na Câmara dos Deputados (97 cadeiras) e no Senado (28 cadeiras), em contraste com os 93 deputados e 20 senadores do partido de Milei (La Libertad Avanza).


Alguns meses antes, em 7 de setembro de 2025, o peronismo havia conquistado uma vitória expressiva nas eleições provinciais de Buenos Aires. Os candidatos ligados a Axel Kicillof obtiveram 47,28% dos votos, contra 33,8% do partido de Milei. O resultado decepcionante do partido de Milei na província (que concentra cerca de dois quintos do eleitorado nacional) foi considerado um prenúncio de derrota para as eleições do Legislativo Federal. A vitória peronista reforçou a posição do governador da província de Buenos Aires como principal liderança da oposição.
A vitória do peronismo naquelas eleições provinciais nos faz perguntar: o que aconteceu desde então para que o cenário nacional mudasse de maneira tão expressiva?
Nas eleições deste domingo, desta vez não para o Legislativo Provincial, mas para o Nacional, os peronistas tiveram cerca de 41% dos votos em Buenos Aires, o mesmo percentual do partido de Milei.
A resposta mais importante é a chantagem de Donald Trump. O triunfo de Milei nas legislativas aconteceu após um episódio desconcertante de interferência internacional.
Em 14 de outubro de 2025, durante um encontro público no Salão Oval da Casa Branca com o presidente argentino, Donald Trump fez uma ameaça direta: se o La Libertad Avanza não vencesse as eleições legislativas, os Estados Unidos não seriam “generosos” com o país.
Tratava-se de uma chantagem constrangedora, pois amarrava o empréstimo crucial para o país ao resultado eleitoral favorável ao governo.
Essa manobra veio acompanhada de um aceno com um pacote de empréstimos e apoio financeiro que, somado a outros acordos, se aproximou da impressionante cifra de US$ 64 bilhões. Ou seja, para se ter uma ideia da importância de um valor desse para a Argentina, esse montante corresponde a quase 70% do custo total do governo federal argentino no ano de 2025.
– FMI: US$ 20 bilhões (Acordo preliminar aprovado em abril de 2025).
– Estados Unidos: US$ 40 bilhões (Pacote total que inclui uma linha de financiamento formalizada de US$ 20 bilhões e um segundo apoio de US$ 20 bilhões em negociação).
– Banco Mundial: US$ 4 bilhões (Novo empréstimo anunciado).
– Total Estimado: US$ 64 bilhões (Valor consolidado de novos empréstimos e negociações de alto valor em 2025).
Diante de uma economia profundamente vulnerável, com a dívida externa argentina atingindo um recorde de US$ 305,043 bilhões em setembro de 2025, essa chantagem de Trump se tornou um checkmate.
A fragilidade econômica da Argentina é imensa. O país possui uma dependência acentuada do capital especulativo vindo dos EUA. Além disso, o sistema cambial argentino está atrelado aos empréstimos do FMI, que é controlado por Washington. Essa combinação criou um cenário de total exposição.

O próprio movimento dos mercados após o triunfo de Milei deixou claro o risco: caso o peronismo tivesse vencido, haveria uma fuga maciça de capitais e uma queda estrondosa nas bolsas argentinas, levando a uma crise financeira. Essa insegurança empurrou todo o setor econômico e produtivo para apoiar Milei, ou, no mínimo, para retirar qualquer apoio ao peronismo.

O desempenho do LLA foi classificado como “inesperado” pela imprensa internacional, pois as pesquisas mais recentes indicavam que a popularidade de Milei estava em queda e que o cenário seria “apertado”.
O resultado na província de Buenos Aires, onde o peronismo havia vencido por ampla margem semanas antes, foi um golpe duro e inesperado para o peronismo. No entanto, a aprovação de Milei, segundo a última Atlas Intel (Outubro/2025), estava em 40%, em linha com os votos recebidos. Isso sugere que o resultado poderia ter sido muito pior para o peronismo se a popularidade de Milei não tivesse caído tão dramaticamente nos últimos meses.

É um fato recorrente que a extrema-direita populista, por alguma questão metodológica ou de sub-representação, frequentemente fica fora do radar das pesquisas tradicionais e avança nas urnas. O resultado argentino reforça essa tendência, mostrando que o apoio a Milei era mais profundo do que os levantamentos de opinião conseguiam captar.

Embora o desempenho de Milei não seja inédito para um governo em meio de mandato, a votação ocorreu em meio a um escândalo que salpicou o principal candidato do LLA, José Luis Espert, que renunciou por investigação ligada ao narcotráfico, mas cujo nome permaneceu nas cédulas. Além disso, a eleição registrou a menor participação (68%) desde o retorno da democracia.
Apesar da derrota, o peronismo (Fuerza Patria) continua vivo. Ao somar-se a outros blocos de esquerda e de oposição, a situação argentina mostra que o peronismo ainda é uma força nacional, competitiva, capaz de organizar a resistência a Javier Milei e voltar ao poder nas próximas eleições nacionais.

A crise econômica é estrutural e só poderá ser solucionada através de um grande projeto nacional atrelado a um reposicionamento da Argentina no mundo. Para isso, precisará romper com a dependência excessiva dos Estados Unidos e promover a aliança com outros atores importantes da geopolítica, como China, Brasil, a ASEAN e outros.
A estratégia de Milei de derrubar a inflação por meio da “asfixia violenta do consumo interno” é vista por muitos analistas como insustentável.
A guerra cultural e ideológica na Argentina ainda está em aberto. O futuro do país e do peronismo dependerá da luta popular. Os próximos capítulos serão escritos pelas ruas.

Publicado originalmente em O Cafezinho