Cláudio Castro, Netanyahu e Trump: a trágica disputa pelo Nobel da Paz. Por Kakay

Atualizado em 31 de outubro de 2025 às 8:23
Mulher chora sobre corpo na Penha, Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Mas eu tô nem aí

Eu quero é que se exploda a periferia toda

Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta.

Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida.”

– Max Gonzaga, canção “Classe Média” 

“A carne mais barata do mercado é a carne negra.”

– Elza Soares, “canção A Carne

A chacina covarde e cruel que se deu no Rio chocou o mundo inteiro. As fotos dos cadáveres amontoados e enfileirados no meio da comunidade, com sinais de tortura, de assassinatos por faca e com evidências de execução por tiros na nuca, o sangue derramado, tudo isso causou náusea e até ânsia de vômito.

A imagem de guerra colocou o nosso Rio de Janeiro em uma posição de lugar sem comando, de terra de ninguém e de um lugar onde não se deve ir. A barbárie foi tão violenta e acintosa que era difícil olhar para as imagens sem sentir que todos nós morremos um pouco com tanta violência.

Mas o que mais demonstra a falência da humanidade não é nem só a crueldade estúpida das mortes. O que impressiona, de maneira inexplicável, é constatar que toda essa ação criminosa foi pensada como um jogo político. Uma estratégia de impor uma visão trágica de como deve agir o Estado diante do caos da segurança pública.

O que nos exaspera é perceber que os 121 mortos foram executados como parte de uma trama macabra. Ninguém pode admitir que, durante o desenrolar do massacre, os responsáveis perderam o controle e foram além do planejado.

Na verdade, havia um plano nessa barbárie. E a sensação que restou é a de que, para o governador Cláudio Castro e para boa parte das “pessoas de bem”, a morte de 121 cidadãos brasileiros faz parte do necessário enfrentamento ao crime no Rio de Janeiro. O governador teve a desfaçatez de declarar isto: “A operação foi um sucesso!”. E, criminosamente, desdenhou das mortes que impactaram o mundo ao afirmar que “Foram só quatro vítimas!”. Ou seja, os 121 assassinados não são computados como seres humanos. E, parece evidente, o número de mortos ainda não está fechado.

São várias as situações de perplexidade. Mas, talvez, o apoio de boa parte da sociedade é que mais deixa exposta a putrefação do mundo em que vivemos. Vários dos mortos foram executados e não se pode sequer afirmar que faziam parte da facção criminosa que era objeto da desastrada operação.

Quem mora em comunidade como a da Penha, embora a grande maioria seja honesta e trabalhadora, não pode ter a pretensão de ser sujeito de direitos. O Estado, que foi omisso ao permitir que o crime organizado o substituísse, oferecendo aquilo que cabia a ele oferecer, ainda se dá ao direito de ser ele, o Estado, o maior transgressor, patrocinando a barbárie. Há uma disputa, não mais oculta, de quem são os criminosos. E o que mais dói é ver a concordância das pessoas, explícita ou velada, envergonhada, desses massacres por parte da autoridade pública.

A extensão desse apoio à barbárie, certamente, vai resultar em mais violência, em balas perdidas, em arrastões e em domínio do crime no asfalto das cidades. Estamos perdendo a luta e somos nós mesmos, todos nós, as vítimas da macabra confusão criminosa.

Tudo me remete à tristeza do verso eterno de João Cabral de Melo Neto, em “Morte e Vida Severina“: “Morte que se morre de velhice antes dos 30, de emboscada antes dos 20, de fome um pouco por dia”.

Kakay
Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido pela alcunha de Kakay, é um dos maiores advogados criminalistas brasileiros. É também poeta e escritor