
Vejam essas duas chamadas na capa do Globo. A chamada abaixo é deste domingo:
“Menos de três meses após abalo que deixou 2.200 mortos, Afeganistão registra terremoto de magnitude ainda maior. Evento ocorrido em agosto é considerado o mais mortal da história recente do país.”
E esta outra chamada, que virou manchete de alto de página, é de sábado:
“Operação mais letal da história do Rio foi considerada sucesso por 57% dos moradores, aponta Datafolha.”

O terremoto no Afeganistão foi o mais mortal da história recente do país. A “operação” policial no Rio foi a mais letal.
As duas manchetes pretendem destacar a mesma coisa: que o terremoto e a operação matam gente como nunca mataram antes.
Mas os jornalões brasileiros se negam a usar a palavra mortal para a chacina no Rio. Letal é uma palavra mais leve.
Mas é um eufemismo. Por que, se o terremoto é mortal, a operação ordenada por Cláudio Castro também não é?
Os jornais fogem da palavra mortal porque estão mais preocupados com os fuzis dos traficantes do que com os mortos.
O governo do Rio é letal, não é mortal. O pior é que essa história de operação letal acabou contagiando os jornais, sites e blogs progressistas ou de esquerda.
Nos primeiros dias após a chacina, a palavra letal aparecia em quase todas as manchetes dos jornalões. Uma convenção não escrita uniformizou a definição da matança.
Os tiros dos policiais seriam letais, e não mortais. E os jornais progressistas aderiram logo ao eufemismo. Os jornalões, que se alinharam aos defensores da chacina, estão cada vez mais letais.
(Qualquer dicionário, incluindo o Houaiss, define letal assim: que produz a morte; mortal, mortífero, fatal, letífero (ex.: uma dose letal). A inteligência artificial da Meta informa que letal “tem origem no latim lētālis e é relativo à morte ou mortal”. A raiz da palavra é lēt(um), que significa morte. Letal é, na verdade, uma palavra usual na linguagem do meio criminal, na polícia, no Ministério Público, na Justiça e entre todos os operadores do Direito. Data venia, o jornalismo das corporações, com sua letalidade, está tentando falar latim — mas para enrolar o próprio leitor.)