Nova pesquisa oferece uma luz de esperança contra a barbárie. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 3 de novembro de 2025 às 17:16
Parlamentares com parentes das vitimas da megaoperação do RJ. Foto: Divulgação

Por Miguel do Rosário

O uso da violência como instrumento de propaganda política e eleitoral não é novidade no Rio de Janeiro.

Os desdobramentos políticos da mega-operação policial nos complexos do Alemão e Penha, porém, parecem transcender o cálculo provincial de Cláudio Castro, inserindo-se em uma agenda de alcance nacional e mesmo internacional.

Há dois fatores alarmantes que agravam os efeitos políticos dessa matança no Rio de Janeiro.

Um deles é a situação da extrema-direita brasileira, desesperada e acuada. Com seu principal líder, Jair Bolsonaro, fora do páreo, ela vem perdendo em múltiplas frentes.

Isso a fez abraçar a matança como uma solução para seus problemas, usando a mega-operação para promover um culto à morte que põe em risco a vida de todos os brasileiros.

Se dermos carta branca para a polícia matar, isso pode ter consequências trágicas para os direitos humanos no Brasil.

O outro fator é a conjuntura internacional, em que o mundo assiste perplexo o governo Trump, pressionado por suas próprias trapalhadas econômicas, apelar para um discurso de violência contra países latino-americanos.

Ele usa o tema do narcotráfico para levar adiante a normalização de assassinatos sem julgamento, como os bombardeios de embarcações no mar do Caribe.

O bolsonarismo viu a oportunidade de usar a comoção gerada pela operação no Rio de Janeiro como maneira de mobilizar o governo Trump novamente contra Lula.

Duas novas pesquisas, Quaest e Datafolha, mostram as profundas cicatrizes que a mega-operação no Rio deixou na opinião pública fluminense.

Em meio ao estrago psicológico que um massacre dessa magnitude desencadeia, criando um espiral de morte que leva as pessoas a desejarem ainda mais violência, é possível, no entanto, entrever algumas frestas para a paz.

O campo humanista busca por focos de resistência, e eles, felizmente, existem. Um dos mais importantes, apontado pela pesquisa Quaest, é o eleitorado feminino.

No Rio de Janeiro, onde o eleitorado se tornou mais conservador que a média nacional, em particular no tema da segurança pública, é um sopro de alívio saber que as mulheres se posicionam majoritariamente contra a barbárie. O contraste de gênero, neste caso, é impressionante.

Enquanto 73% dos homens consideram a ação um “sucesso”, entre as mulheres fluminenses há um empate técnico: 44% a classificam como “fracasso”, contra 43% que a veem como “sucesso”.

Esse pode ser um dos pontos de partida para construir uma resistência a esse modelo de segurança pública baseado na morte.

Pesquisa sobre a megaoperação realizada no RJ. Foto: Quaest

O sentimento de que a operação falhou em trazer segurança é ainda mais forte nos dados da Quaest. Após a incursão policial, 60% das mulheres no estado do Rio afirmam que a região ficou menos segura.

Essa percepção é muito mais acentuada do que entre os homens.

A desconfiança na eficácia da violência se traduz em uma preferência por uma atuação policial mais cautelosa.

Pesquisa sobre a megaoperação realizada no RJ. Foto: Quaest
Gráfico sobre a megaoperação realizada no RJ. Foto: Quaest

O levantamento também aponta uma fratura ideológica profunda nessa questão, com duas visões de mundo completamente opostas sobre como combater o crime.

De um lado, o campo progressista rejeita a violência como solução. Entre os eleitores de Lula no estado do Rio, 65% consideraram a ação um fracasso. Esse percentual sobe para 73% na esquerda não-lulista.

Do outro lado, a direita se identifica com a truculência. Entre a direita não-bolsonarista, 86% viram a ação como um sucesso. Entre os bolsonaristas, o número chega a 88%.

A incursão serviu como um catalisador político para o governador Cláudio Castro (PL). Sua rejeição explodiu no campo progressista do Rio. Saltou de 44% para 69% entre os lulistas fluminenses e atingiu 79% na esquerda não-lulista.

Em contrapartida, sua aprovação disparou para 82% entre os eleitores de Bolsonaro. Cresceu também entre os independentes, onde 49% o aprovam.

Assim, o governador parece ter atingido seu principal objetivo político: garantir a eleição ao Senado em 2026. Os números indicam que, nesse ponto, ele não terá mais problemas.

O preço pago, no entanto, foi alto: uma forte radicalização do eleitorado local.

Gráfico de aprovação do governo Claudio Castro. Foto: Quaest
Gráfico de aprovação do governo Claudio Castro. Foto: Quaest

Enquanto Castro se fortalece, a aprovação do governo Lula no Rio de Janeiro caiu de 37% para 34%.

A avaliação do governo federal área de segurança pública é majoritariamente negativa (60%).

A infeliz frase de Lula sobre traficantes serem “vítimas dos usuários” provocou um abalo profundo na opinião pública local. 61% tiveram conhecimento dela e a maioria discordou.

A questão, portanto, não é se as operações devem ocorrer, mas como devem ser conduzidas.

Apesar da forte rejeição à forma como a operação foi conduzida, o apoio à realização de incursões em comunidades é majoritário, inclusive na esquerda.

73% dos entrevistados pela Quaest acreditam que a polícia deveria realizar ações do tipo. O apoio é de 51% entre os lulistas do estado do Rio e 50% na esquerda não-lulista.

A crítica recai sobre o planejamento falho e a letalidade excessiva.

Pesquisa sobre a megaoperação realizada no RJ. Foto: Quaest

Um dos pontos mais reveladores do levantamento acende uma luz de esperança contra a deriva fascista. É a opinião sobre a conduta policial.

A maioria dos fluminenses (50%) acredita que a primeira reação de um agente ao ver alguém com um fuzil deve ser “buscar prender sem atirar”.

Esse sentimento é majoritário não apenas entre mulheres (57%) e a esquerda, mas também entre os eleitores independentes (55%).

Isso sugere que a direita, ao apostar todas as suas fichas na violência explícita, pode ter “queimado a largada” e se isolado em seu extremo.

Pesquisa sobre a megaoperação realizada no RJ. Foto: Quaest
Gráfico sobre a megaoperação realizada no RJ. Foto: Quaest

Mesmo assim, o momento cria uma janela de oportunidade para o governo federal.

A percepção de que o governo do Rio não tem capacidade de combater o crime organizado sozinho (62% na Quaest) e a insatisfação com a ajuda federal (53% acham que não tem ajudado) criam a demanda por uma intervenção mais forte de Brasília.

A Baixada Fluminense surge como um território prioritário para a reconstrução da confiança. Lá, a aprovação de Lula despencou para 24% e a opinião sobre a violência é mais extrema.

É uma chance para implementar uma nova política federal de segurança, que seja ao mesmo tempo eficaz e humanista.

Outra pesquisa ajuda a compreender melhor o cenário. O levantamento do Datafolha foi feito com 626 pessoas na capital e região metropolitana do Rio.

Ele expõe uma contradição bem-vinda do eleitorado, que sinaliza mais uma brecha para construir uma solução antifascista para o problema da violência.

Embora 57% tenham considerado a ação um sucesso e 51% concordem com a frase “bandido bom é bandido morto”, uma maioria esmagadora de 77% dos eleitores fluminenses afirma que investigar e prender criminosos é mais importante do que matá-los.

A aprovação do governador Cláudio Castro ficou em 40%, com reprovação de 34%.

Os dados do Datafolha também mostram o quanto a violência está entranhada no cotidiano: 38% da população do Rio viu pessoas com fuzis nos últimos 12 meses, e 66% sentem que as ações do crime organizado interferem diretamente em suas vidas.

Um sinal promissor nessa pesquisa é que 88% apoiam o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais.

Além disso, 73% consideram errado afirmar que quem morre em incursões é sempre bandido.

Isso revela um desejo por mais controle e menos letalidade, apesar do medo e da enorme propaganda por soluções violentas para o problema da segurança pública.