
Os novaiorquinos vão às urnas nesta terça-feira (4) para escolher o próximo prefeito da maior cidade dos Estados Unidos, em uma eleição que desperta atenção internacional.
O cargo é um dos mais poderosos do país fora de Washington: o vencedor comandará um orçamento de US$ 115 bilhões (cerca de R$ 621 bilhões) e uma máquina administrativa com mais de 300 mil servidores.
Governar Nova York é, em muitos aspectos, uma tarefa comparável à de chefiar um país. Com um Produto Interno Bruto de US$ 1,3 trilhão (aproximadamente R$ 6,9 trilhões), a metrópole ocuparia lugar entre as 20 maiores economias do mundo se fosse uma nação independente.
Zohran Mamdani, de 34 anos, filho de imigrantes de Uganda e da Índia, deputado estadual e militante do socialismo democrático, aparece à frente nas pesquisas e pode se tornar o primeiro muçulmano a comandar a maior cidade do país.
A trajetória de Mamdani — parte Barack Obama, parte Donald Trump, como definem alguns analistas — combina idealismo, ousadia e um profundo desprezo pelas convenções políticas.
Nos bairros de Harlem e do Bronx, voluntários jovens caminhavam pelas ruas pedindo votos com entusiasmo raro. “Ele é só dez anos mais velho do que eu e já está mudando o rumo da cidade”, disse Durga Sreenivasan, de 22 anos, uma das coordenadoras da campanha.
“Zohran mostra que jovens, mulheres e pessoas negras ou muçulmanas podem ocupar espaços de poder. Ele é o símbolo de uma mudança real.” O candidato tem conquistado apoio com uma plataforma centrada no custo de vida, moradia popular e combate à desigualdade. Seu discurso direto, voltado aos mais pobres, lembra o de Bernie Sanders, mas com um tom mais combativo e uma base mais diversa.
Mamdani fala em reduzir a distância entre ricos e pobres em uma cidade onde 150 mil crianças vivem sem moradia fixa. Para ele, o socialismo é menos uma ideologia e mais uma urgência prática: “Por que ainda há gente dormindo nas ruas da cidade mais rica do mundo?”, questiona.
Esse pragmatismo tem atraído uma geração que não vê nas figuras tradicionais — Joe Biden, Nancy Pelosi, Chuck Schumer — uma resposta à crise social americana. “Está na hora de a velha guarda se aposentar”, diz Sreenivasan.
O estilo de campanha é agressivo, direto, desconcertante. Mamdani rejeita tabus do Partido Democrata e rompe com dogmas considerados intocáveis. Ele chamou Israel de “genocida” pela guerra em Gaza e afirmou que, se eleito, ordenaria a prisão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu caso visite Nova York.
A declaração causou choque entre líderes democratas, mas, segundo a analista Elaine Kamarck, da Brookings Institution, não deve afastar o eleitorado judaico. “Muitos novaiorquinos, inclusive judeus, estão revoltados com Netanyahu e com o rumo da guerra”, diz ela.
Mamdani também tem o apoio de figuras de peso da esquerda, como Bernie Sanders, que vê a chance de consolidar um novo ciclo político progressista.
Zohran Mandani: “We are going to freeze the rent and build housing for everyone who needs it! We are going to eliminate the fare on every single bus line! We are going to create universal childcare at no cost!” pic.twitter.com/kWkewiuURd
— TheBlaze (@theblaze) October 27, 2025
Seu avanço desafia o establishment democrata e ameaça a candidatura de Andrew Cuomo, ex-governador de Nova York que tenta voltar à vida pública como independente.
Mesmo derrotado nas prévias, Cuomo insistiu em permanecer na disputa, alegando “experiência administrativa” — algo que Mamdani, sem cargos executivos prévios, transforma em trunfo. “O que eles chamam de inexperiência, eu chamo de independência”, disse recentemente em um comício no Brooklyn.
O impacto de Mamdani vai além da cidade. Ele representa um novo tipo de político americano: um muçulmano de esquerda, crítico da política externa de Washington e defensor de causas sociais que há uma década pareciam impensáveis na grande política.
Seu discurso sobre desigualdade ecoa em um país onde 60% dos trabalhadores vivem de salário em salário e 42 milhões de pessoas podem perder os benefícios alimentares por conta do impasse orçamentário em Washington.
“Ele é o anti-Trump que aprendeu com Trump”, escreveu o colunista John Lyons, do The Wall Street Journal. Assim como o republicano, Mamdani fala diretamente ao público, sem filtros, e faz da indignação popular o combustível da sua campanha. Mas, ao contrário de Trump, promete usar essa energia para reconstruir um Estado social e uma cidade mais justa.
Caso vença, Mamdani transformará Nova York em um laboratório político com alcance global. Será o primeiro prefeito muçulmano, o primeiro socialista em quase um século e, talvez, o primeiro político de sua geração a mostrar que há espaço para uma nova esquerda americana — popular, militante e sem medo de desafiar o poder.