As lições de Zohran Mamdani, o socialista muçulmano que deve virar prefeito de Nova York

Atualizado em 4 de novembro de 2025 às 8:20
Zohran Mamdani

Os novaiorquinos vão às urnas nesta terça-feira (4) para escolher o próximo prefeito da maior cidade dos Estados Unidos, em uma eleição que desperta atenção internacional.

O cargo é um dos mais poderosos do país fora de Washington: o vencedor comandará um orçamento de US$ 115 bilhões (cerca de R$ 621 bilhões) e uma máquina administrativa com mais de 300 mil servidores.

Governar Nova York é, em muitos aspectos, uma tarefa comparável à de chefiar um país. Com um Produto Interno Bruto de US$ 1,3 trilhão (aproximadamente R$ 6,9 trilhões), a metrópole ocuparia lugar entre as 20 maiores economias do mundo se fosse uma nação independente.

Zohran Mamdani, de 34 anos, filho de imigrantes de Uganda e da Índia, deputado estadual e militante do socialismo democrático, aparece à frente nas pesquisas e pode se tornar o primeiro muçulmano a comandar a maior cidade do país.

A trajetória de Mamdani — parte Barack Obama, parte Donald Trump, como definem alguns analistas — combina idealismo, ousadia e um profundo desprezo pelas convenções políticas.

Nos bairros de Harlem e do Bronx, voluntários jovens caminhavam pelas ruas pedindo votos com entusiasmo raro. “Ele é só dez anos mais velho do que eu e já está mudando o rumo da cidade”, disse Durga Sreenivasan, de 22 anos, uma das coordenadoras da campanha.

“Zohran mostra que jovens, mulheres e pessoas negras ou muçulmanas podem ocupar espaços de poder. Ele é o símbolo de uma mudança real.” O candidato tem conquistado apoio com uma plataforma centrada no custo de vida, moradia popular e combate à desigualdade. Seu discurso direto, voltado aos mais pobres, lembra o de Bernie Sanders, mas com um tom mais combativo e uma base mais diversa.

Mamdani fala em reduzir a distância entre ricos e pobres em uma cidade onde 150 mil crianças vivem sem moradia fixa. Para ele, o socialismo é menos uma ideologia e mais uma urgência prática: “Por que ainda há gente dormindo nas ruas da cidade mais rica do mundo?”, questiona.

Esse pragmatismo tem atraído uma geração que não vê nas figuras tradicionais — Joe Biden, Nancy Pelosi, Chuck Schumer — uma resposta à crise social americana. “Está na hora de a velha guarda se aposentar”, diz Sreenivasan.

O estilo de campanha é agressivo, direto, desconcertante. Mamdani rejeita tabus do Partido Democrata e rompe com dogmas considerados intocáveis. Ele chamou Israel de “genocida” pela guerra em Gaza e afirmou que, se eleito, ordenaria a prisão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu caso visite Nova York.

A declaração causou choque entre líderes democratas, mas, segundo a analista Elaine Kamarck, da Brookings Institution, não deve afastar o eleitorado judaico. “Muitos novaiorquinos, inclusive judeus, estão revoltados com Netanyahu e com o rumo da guerra”, diz ela.

Mamdani também tem o apoio de figuras de peso da esquerda, como Bernie Sanders, que vê a chance de consolidar um novo ciclo político progressista.

Seu avanço desafia o establishment democrata e ameaça a candidatura de Andrew Cuomo, ex-governador de Nova York que tenta voltar à vida pública como independente.

Mesmo derrotado nas prévias, Cuomo insistiu em permanecer na disputa, alegando “experiência administrativa” — algo que Mamdani, sem cargos executivos prévios, transforma em trunfo. “O que eles chamam de inexperiência, eu chamo de independência”, disse recentemente em um comício no Brooklyn.

O impacto de Mamdani vai além da cidade. Ele representa um novo tipo de político americano: um muçulmano de esquerda, crítico da política externa de Washington e defensor de causas sociais que há uma década pareciam impensáveis na grande política.

Seu discurso sobre desigualdade ecoa em um país onde 60% dos trabalhadores vivem de salário em salário e 42 milhões de pessoas podem perder os benefícios alimentares por conta do impasse orçamentário em Washington.

“Ele é o anti-Trump que aprendeu com Trump”, escreveu o colunista John Lyons, do The Wall Street Journal. Assim como o republicano, Mamdani fala diretamente ao público, sem filtros, e faz da indignação popular o combustível da sua campanha. Mas, ao contrário de Trump, promete usar essa energia para reconstruir um Estado social e uma cidade mais justa.

Caso vença, Mamdani transformará Nova York em um laboratório político com alcance global. Será o primeiro prefeito muçulmano, o primeiro socialista em quase um século e, talvez, o primeiro político de sua geração a mostrar que há espaço para uma nova esquerda americana — popular, militante e sem medo de desafiar o poder.

 

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.