
POR CACO DE PAULA
Três dias após o encerramento da COP30, o Diário do Centro do Mundo (DCM) e a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) realizam em São Paulo um balanço das decisões globais e das oportunidades brasileiras na economia verde. O Seminário Pós-COP30, marcado para 24 de novembro, com sessões de manhã e à noite, reúne especialistas de diferentes áreas para debater os desafios da transição energética.
Entre os painelistas confirmados está Juliano Medeiros, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília, ex-presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL (2017-2023) e fundador do Instituto Futuro, organização dedicada à renovação das agendas progressistas na América Latina com foco na crise climática. Professor convidado da FESPSP, onde ministra a disciplina “Estratégia e Liderança Política”, Medeiros traz ao seminário uma perspectiva única: a do movimento social.
O DCM conversou com Juliano Medeiros sobre financiamento da transição energética, contradições da esquerda brasileira, expectativas para a COP30 e o papel do Instituto Futuro na renovação do pensamento progressista. Para Medeiros, “a crise climática é uma oportunidade de debater o modelo. O modelo atual vai levar o planeta e a humanidade ao colapso.” Ao mesmo tempo, ele vê um aspecto positivo na realização da conferência no Brasil: “A melhor coisa da COP30 no Brasil é que vamos ter muita sociedade civil mobilizada e uma tensão da opinião pública para o problema.”
INSCREVA-SE NESTE LINK
Não aos combustíveis fósseis
Juliano Medeiros é direto ao criticar o financiamento da transição energética via combustíveis fósseis. “Eu não acredito nada dessa bobajada. Isso é tudo green washing do sistema capitalista para poder ganhar dinheiro em cima da natureza.”
Para ele, a lógica é contraditória: “Você não financia a transição emitindo mais óxido de carbono na atmosfera, porque petróleo é o principal vilão da crise climática. É uma espécie de negacionismo você querer tirar petróleo para combater a crise climática. Uma loucura completa.”
A alternativa, segundo Medeiros, passa por redistribuição de recursos: “O financiamento tem que vir de tirar dinheiro de um lugar e colocar em outro. Não de emissão de títulos verdes ou créditos de carbono.”
Contradição da esquerda
A crítica se estende ao próprio campo progressista. “A grande contradição é que a esquerda acredita na ciência. A esquerda sabe que existe crise climática. A esquerda sabe que isso pode levar o mundo e a humanidade ao colapso”, afirma Medeiros.
“Mas não consegue ligar isso à sua ação cotidiana. Acaba decidindo fazer aquilo que é talvez a maior contradição: garantir fonte de emissão de gás de efeito estufa como principal instrumento para combater gases.”
Medeiros reconhece os limites da batalha, mas vê valor estratégico na crítica: “É uma grande contradição. Não acho que vamos ganhar essa batalha no curto prazo, mas é uma forma de expor as contradições colocadas no campo.”
Sociedade civil mobilizada
Apesar do ceticismo quanto aos resultados concretos da COP30, Medeiros enxerga um aspecto positivo fundamental: a mobilização social. “A melhor coisa da COP30 no Brasil é que vamos ter muita sociedade civil mobilizada e uma tensão da opinião pública para o problema. Isso é muito positivo. É o principal aspecto positivo de uma COP no Brasil.”
O contraste com as conferências anteriores é evidente. “Depois de ter COP realizada no Azerbaijão, que não é um país democrático, nos Emirados Árabes Unidos, que não é um país democrático, no Egito, que não é um país democrático, a COP volta a acontecer num país onde a sociedade civil é organizada, mobilizada e tem o direito de se manifestar.”
Para Medeiros, a localização também importa: “O evento vai chamar a atenção da opinião pública brasileira e mundial para um grave problema que é a crise climática. E um evento que acontece na Amazônia, que é um elemento estratégico para enfrentar a crise climática.”
As COPs (Conferências das Partes) são encontros anuais organizados pela ONU onde países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima negociam metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e mecanismos de financiamento da transição energética. A COP30, que acontecerá em Belém em novembro de 2025, será a primeira realizada na Amazônia e terá como foco a apresentação das novas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), as metas climáticas de cada país para os próximos cinco anos.

Instituto Futuro e renovação da esquerda
O Instituto Futuro, fundado por Medeiros após deixar a presidência do PSOL, trabalha para renovar as agendas da esquerda no Brasil e na América Latina, colocando a crise climática no centro da ação política. A organização atua em combustíveis fósseis, transição energética e justiça climática, em parceria com o Instituto Araiara e o Observatório do Clima.
Entre os projetos está um curso de pós-graduação sobre transição ecológica e crise climática, com 10 a 12 disciplinas. “É um esforço de renovação: ressignificar democracia, ressignificar Estado, ressignificar questões de gênero e raça, e ressignificar a questão climática”, explica Medeiros.
O nome do instituto reflete essa visão: “O presente é muito duro, mas é possível construir um futuro alternativo. É preciso disputar o futuro.”
Modelo alternativo e limites do planeta
Medeiros apresenta um diagnóstico contundente: “Os padrões de reprodução e consumo atuais são totalmente insustentáveis. Se toda a humanidade consumisse como a Europa e os Estados Unidos, o planeta esgotaria em 40 anos: água, energia, florestas, minerais.”
A crise climática abre uma janela de oportunidade para repensar o modelo de desenvolvimento. “A crise climática é uma oportunidade de debater o modelo. O modelo atual vai levar o planeta e a humanidade ao colapso. Não é só propor outro modelo, como os partidos de esquerda fazem. É entender que qualquer modelo alternativo vai ter que ter outra relação com o planeta.”
Para Medeiros, “a noção de desenvolvimento subordinada ao modelo moderno não é mais viável” e “os recursos estão se esgotando dentro da lógica anárquica e predatória do capitalismo.”
Frustração antecipada
Quanto às expectativas para a COP30, Medeiros é realista: “Quanto mais eu participo de COPs, menor é a minha expectativa. As COPs mostram instrumentos muito insuficientes para garantir o pacto necessário.”
O problema está no financiamento: “Os países conseguem produzir acordos importantes sobre metas. Conseguem chegar a acordos sobre mecanismos de controle de emissões. Mas não se chega a acordo nenhum sobre financiamento. A COP de Baku, no Azerbaijão, no ano passado, teve como debate central o financiamento. Foi uma grande frustração, um grande fracasso.”
A previsão para Belém não é animadora: “A COP30 vai apresentar as novas NDCs, as metas de cada país. Os países vão apresentar suas metas, mas não vão cumprir as metas apresentadas cinco anos atrás.”
O cenário climático agrava a situação: “Como a comunidade internacional vai reagir à conclusão de que tudo que foi feito até agora não foi suficiente para manter a temperatura em 1,5 grau acima do período pré-industrial? Hoje saiu um estudo: o mais provável é chegar em 2,5 graus Celsius. Já é suficiente para provocar uma série de estragos e o extermínio de muitas pessoas.”
A Amazônia real
Para Medeiros, a COP30 oferece uma oportunidade de desconstruir mitos: “É importante levar um líder internacional do norte global para ver como as pessoas que vivem na Amazônia vivem em cidades grandes e pobres.”
A visão estereotipada precisa ser confrontada: “Quando se fala em Amazônia, imagina-se milhões de hectares vazios ou com apenas povos indígenas e comunidades ribeirinhas. Não. A maioria dos 30 milhões de brasileiros que moram na Amazônia vivem em cidades, em cidades pobres, em cidades desiguais, em cidades violentas.”
A conferência pode ajudar a mudar essa percepção: “A COP é uma oportunidade de mostrar a Amazônia real, e não a Amazônia idealizada que está na cabeça dos gringos.”
Ao falar sobre o Seminário PosCOP-30, Medeiros observou que a mesa da sessão da noite tem uma “complementaridade interessante de três perspectivas.” E lembrou que os demais painelistas trarão visões de mercado e de governo, enquanto ele próprio fará sua análise do ponto de vista do movimento social.