Os sonhos chegam de Nova York para acordar a esquerda. Por Moisés Mendes

Atualizado em 8 de novembro de 2025 às 23:34
Zohran Mamdani comemora com apoiadores a vitória nas eleições para prefeito de Nova York. Foto: Angelina Katsanis/AFP

O brasileiro de esquerda, que finalmente anda otimista, tem o direito e quase o dever de enxergar Zohran Mamdani como o cara que pode resgatar restos de utopias. Principalmente se tiver ao redor de 30 anos.

Brasileiros de até trinta e poucos anos nunca experimentaram nada parecido com as viagens utópicas que extraviaram seus pais e seus avós pelo caminho. Mas poderão experimentar, porque essa é a idade dos experimentos.

Quem tem os 34 anos de Mamdani, ou muito menos, não pode mais usar a desculpa de que os sonhos dos seus ancestrais envelheceram. E quem tem bem mais, como Bernie Sanders, que está com 84, deve ver o prefeito eleito de Nova York como a chance de que sonhar de novo é possível.

Mas e aí, o que se faz de concreto com isso, perguntaria aquele cara prático? Vamos radicalizar no discurso e nas propostas e programas de governo, como Mamdani radicalizou, e largar um pouco essa vida cansativa dependente da tutela da direita para governar?

Vamos experimentar ações e discursos mais atrevidos, que nos livrem da dependência química da turma do Kassab, do Valdemar e do Ciro Nogueira? Utopizar ficou possível, mas em que medida?

O bom das tentativas de compreensão do fenômeno Mamdani é trazer para perto de nós a pergunta que mais importa: é possível que também no Brasil as pessoas estejam à espera de uma guinada forte à esquerda?

Tem gente para fazer essa guinada? Lula? Guilherme Boulos faria? Boulos se apresentaria, antes de qualquer outra definição, como socialista? O PSOL é o Partido Socialismo e Liberdade. Mas Boulos diria em voz alta ‘eu sou socialista’? Em que volume, com que tom e com que frequência?

Boulos já disse em entrevistas que o socialismo é hoje a oposição dos ideais de solidariedade ao individualismo que tomou conta da sociedade contemporânea. Socialismo, segundo Boulos, seria lutar por direitos e mecanismos de cooperação e de convivência coletiva numa sociedade egoísta e mórbida.

Lutar por outro modelo de sociedade é ser socialista. Foi o que disse Boulos. Ser socialista seria muito mais um jeito de pensar o mundo. Mas aí meio mundo seria socialista.

Guilherme Boulos, discursa após o resultado do 2° turno das eleições municipais. — Foto: YURI MURAKAMI/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Há no Brasil, há muito tempo, um esforço para que se esclareça: esqueçam o socialismo que assustava as senhoras católicas ricas nos anos 60 e hoje apavora as senhoras evangélicas pobres.

E agora vem o que importa. A esquerda cuidadosa, que precisa da direita para governar e ter grandes ambições eleitorais, como Boulos teve ao disputar a prefeitura de São Paulo, essa esquerda caiu na armadilha das explicações.

E Mamdani foi lá e não explicou, ele disse o que é ser socialista, na medida do possível de um socialismo nova-iorquino. É assegurar passe livre no transporte público, acesso a creches e à comida mais barata e até determinar o congelamento de preços dos aluguéis. Mamdani não fica explicando o que é socialismo, ele diz o que é ser socialista hoje.

O prefeito não vai querer tomar as fábricas de ninguém, nem coletivizar a produção de todos os bens, nem pegar uma fintech do bolsonarista lavador de dinheiro da Faria Lima que tem cinco lavanderias. Essas utopias ficaram lá no século 20.

Parece complicado, mas é simples. Como andam dizendo, o africano, muçulmano e socialista Zohran Mamdani simplificou tudo: esse é o meu socialismo, que fica ainda mais importante como contraponto ao trumpismo.

Quem tem menos de 30 anos deve começar a fumar e a tragar Mamdani. E quem tem mais idade, quem veio até aqui com todas as ressacas do século 20, deve se convencer de que os sonhos ressuscitam e rejuvenescem.

É um sonho com outros formatos, outras cores e outros personagens, mas que não deixa de ser um sonho. Sonhemos, por Lennon e por Lô Borges.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/