
O Ministério Público de Milão abriu uma investigação sobre a participação de cidadãos italianos em supostos “safáris humanos” ocorridos durante o cerco de Sarajevo, um dos episódios mais brutais da Guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995. Segundo a denúncia, pessoas com alto poder aquisitivo pagavam grandes somas a milícias sérvio-bósnias para participar de caçadas humanas contra civis.
As apurações indicam que esses “turistas de guerra” teriam desembolsado o equivalente a até 100 mil euros atuais, cerca de R$ 610 mil, para receber armas e posições privilegiadas nas colinas que cercavam a capital bósnia.
A prática incluía disparos contra alvos indefesos, incluindo crianças. As excursões partiam de Trieste, na Itália, às sextas-feiras, e duraram cerca de dois anos, de 1993 a 1995.
De acordo com o jornal ‘La Repubblica’, promotores italianos começarão a ouvir testemunhas e requisitar documentos oficiais. A polícia teria em mãos uma lista de suspeitos e o depoimento de um ex-oficial da inteligência bósnia, que, à época, interrogou combatentes sérvios e teria obtido informações sobre a presença de estrangeiros nos ataques.
O caso veio à tona após o trabalho do jornalista e escritor Ezio Gavazzeni, que investigava o tema desde a década de 1990. Ele retomou as apurações depois do lançamento do documentário “Sarajevo Safari”, produção eslovena de 2023 que abordou o tema com novos depoimentos e registros inéditos.

Gavazzeni relatou ao La Repubblica que as pessoas envolvidas eram empresários e figuras conhecidas da sociedade italiana. “Elas viajavam para matar civis indefesos e depois voltavam às suas vidas normais, sendo vistas como cidadãos exemplares”, disse. Caso confirmadas as denúncias, os acusados poderão responder por homicídio doloso qualificado por crueldade e motivo torpe.
O cerco de Sarajevo foi um dos momentos mais trágicos da guerra. Tropas sérvio-bósnias, apoiadas por Belgrado, cercaram a cidade por 1.425 dias, entre abril de 1992 e fevereiro de 1996. A população ficou sem acesso regular a água, luz e alimentos, enquanto snipers atiravam contra qualquer movimento nas ruas.
Estima-se que cerca de 13 mil militares tenham participado do cerco, e mais de 5.400 civis morreram, entre eles 1.500 crianças. Segundo a Unicef, quase metade das 80 mil crianças da cidade foi alvo direto de franco-atiradores. A guerra também ficou marcada por estupros sistemáticos e pela limpeza étnica em várias regiões da Bósnia.
Após a intervenção da ONU e os acordos de Dayton, assinados em novembro de 1995, o conflito foi encerrado. Líderes sérvios como Slobodan Milosević e Ratko Mladić foram julgados e condenados por crimes de guerra.