
A alta cúpula do Exército avalia que a tentativa de enquadrar facções criminosas brasileiras como organizações terroristas, discussão que ganhou força no Congresso durante a tramitação do PL Antifacção, pode abrir espaço para interferências de potências estrangeiras em território nacional.
Segundo informações da Folha de S. Paulo, a leitura de chefes militares é que essa mudança de classificação ampliaria a margem para narrativas intervencionistas vindas de fora.
Segundo oficiais-generais ouvidos de forma reservada, o alerta passou a ser monitorado de perto quando o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, defendeu que facções brasileiras como PCC e Comando Vermelho fossem tratadas internacionalmente como grupos terroristas.
O Exército entende que tal equiparação exportaria para o Brasil um enquadramento utilizado por Washington em sua política de combate às drogas. No diagnóstico dos militares, essa abordagem norte-americana já tem sido usada para justificar movimentações militares nas Américas.
O exemplo mais citado é o da Venezuela, onde o governo Trump enquadrou grupos criminosos locais como terroristas devido a ligações com o tráfico internacional, como no caso do Tren de Aragua. Essa classificação serviu de base para reforçar a presença da Marinha dos EUA na região.

A movimentação de porta-aviões e navios americanos próximos ao território venezuelano é vista pelo Exército como parte de um pacote de pressão sobre o governo de Nicolás Maduro. Os oficiais brasileiros observam que, em momentos de tensão, surgem até especulações sobre operações terrestres dos EUA no país vizinho, cenário considerado indesejado para a região e para o Brasil.
Essa preocupação voltou ao centro do debate nos bastidores de Brasília, especialmente durante as negociações do PL Antifacção. A proposta deveria ter sido votada na Câmara nesta quarta-feira, mas passou por sucessivas alterações do relator, Guilherme Derrite, e acabou adiada para a próxima terça.
Os militares acompanham de perto porque veem impacto direto da redação final do projeto na política externa de segurança. O desconforto cresceu após um caso envolvendo a visita do chefe do Comando Sul dos EUA, almirante Alvin Holsey, ao Brasil.
Às vésperas da viagem, a embaixada americana comunicou que Holsey queria conhecer o 4º Batalhão de Infantaria de Selva, unidade que atua nas fronteiras com Peru e Bolívia. Militares brasileiros consideraram o pedido incomum, já que visitas desse nível costumam ocorrer nos comandos regionais, não em batalhões.
O Exército negou a solicitação alegando falta de tempo hábil para preparar a unidade de Rio Branco. Como alternativa, sugeriu uma visita ao Comando Militar da Amazônia, em Manaus, mas os americanos recusaram. Pouco tempo depois, Holsey deixou o cargo, em meio às tensões envolvendo a Venezuela, segundo o ‘New York Times’.