Sakamoto: Prisão domiciliar de Bolsonaro é “prêmio de consolação” após anistia flopar

Atualizado em 19 de novembro de 2025 às 7:24
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em prisão domiciliar. Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

A campanha pela aprovação de uma anistia a Jair Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado e organização criminosa armada, deu lugar a uma campanha pela prisão domiciliar do ex-presidente, contando com a participação de um espectro mais amplo da sociedade.

Há muita gente boa, com as melhores intenções, que faz essa defesa. Mas também há muitos que, até agora, estavam pouco se lixando para a massa amorfa, majoritariamente negra e pobre, que abunda em depósitos de gente incapazes de garantir o mínimo de dignidade — e que, por isso, se tornaram escolas de crime.

Hoje não há clima no Congresso Nacional para votar uma anistia a fim de beneficiar Bolsonaro e os demais golpistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal. Nem o Centrão quer isso. Desejam Bolsonaro apoiando o governador Tarcísio de Freitas ou outro nome, mas de longe, sem lhe dar esperanças de participar do processo eleitoral de 2026.

Diante disso, a defesa por uma prisão domiciliar parece ter tomado o lugar da anistia. A parte visível disso é a justificativa de que o ex-presidente tem uma saúde frágil, não apenas por conta da facada que levou em 6 de setembro de 2018, mas também por outras condições de saúde — de erisipela a refluxo.

O outro lado disso é que, em casa, Bolsonaro poderia mais facilmente continuar com suas articulações políticas, como ocorre hoje.

Não que isso não possa ocorrer na Papuda — o PCC tem seu comando dentro das penitenciárias e continua aí, firme e forte. Mas são facções com métodos e hierarquias diferentes.

Caso não encontre uma maneira de fugir (o brasileiro é criativo), Jair vai começar a cumprir pena ainda este ano. As opções colocadas à mesa do ministro Alexandre de Moraes são uma cela retrofitada na Papuda, onde estão muitos dos presos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A penitenciária já recebeu outros políticos, como o ex-prefeito Paulo Maluf, encarcerado aos 86 anos e com problemas de saúde — não houve a mesma comoção naquele momento, aliás. Meses depois, ele foi para a prisão domiciliar.

Também há a carceragem na sede da Polícia Federal em Brasília, que já contaria com uma sala com televisão, geladeira e outras comodidades para receber o ex-presidente. A solução seria semelhante àquela dada ao presidente Lula, preso por 580 dias na PF em Curitiba. Ou ainda o Comando Militar do Planalto (hipótese que soa como piada de mau gosto, uma vez que Jair se aliou a militares para tentar um golpe de Estado contra o Brasil) ou um quartel. Nesse sentido, seria o 19º Batalhão de Polícia Militar do Distrito Federal, conhecido como Papudinha.

Papudinha: PMs e políticos passaram por ala onde Bolsonaro pode ficar
Papudinha, ala do 19º Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal. Foto: Reprodução

Seus advogados lutam para convencer Moraes de que ele continue preso no condomínio de luxo onde reside, o Solar de Brasília, no Setor Habitacional Jardim Botânico, com base no seu quadro de saúde. Mas, se isso acontecer, a Justiça teria por dever moral estender a decisão para outros presos pobres e doentes que estão atrás das grades.

Dada a quantidade de vezes que o clã Bolsonaro bateu no Poder Judiciário, incitando até o governo dos Estados Unidos contra os membros do Supremo Tribunal Federal, em punições duras para impedir o julgamento, não há muita boa vontade com o ex-presidente.

E, claro, para esse debate não ser oportunista, o justo seria não fazer uma campanha por Bolsonaro, mas para todos os outros criminosos condenados no sistema prisional que convivem com situações graves e não representem risco para a sociedade.

O caso Bolsonaro é um momento propício para trocarmos o “bandido bom é bandido morto” por “bandido bom é bandido que não é torturado ao cumprir pena para que possa ser reintegrado à sociedade”. Ou seja, se ele pode ter esse benefício humanitário, outros criminosos também precisam ter acesso.

Como já citei aqui, o último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o sistema prisional, produzido pelo Insper e pela Fundação Getúlio Vargas, indica que condições precárias como superlotação, falta de saneamento básico, alimentação inadequada e ausência de assistência médica causam ou agravam doenças. Morre-se com frequência dentro da cadeia por tuberculose, pneumonia, sepse e insuficiência cardíaca ou respiratória. Isso sem contar guerras de facções e maus-tratos. Mas também por depressão, com taxas de suicídio subindo de 15,7 para 25,2 mortes a cada 100 mil presos entre 2016 e 2019.

A prisão domiciliar não é um direito, mas uma concessão da Justiça em caráter humanitário. O mais provável é que, apesar da campanha, o ex-presidente comece a cumprir a sentença em regime fechado em uma unidade prisional.

A Justiça, então, vai analisar como uma pessoa que, meses atrás, estava gritando em cima de carro de som, participando de motociatas, rodando o país em campanha e humilhando oficial de justiça agora é incapaz de ficar na cadeia. Daí, após algum tempo, vá cumprir pena em casa.

E isso não é vingança, mas o processo da Justiça. E Justiça é o que vai pacificar o país.

Para não termos bandido de estimação, é necessário que benefícios como esse valham para todos. Desde já.