Sakamoto: farsa da carreta no Rodoanel bombou retórica do terrorismo

Atualizado em 20 de novembro de 2025 às 9:40
Dener Laurito dos Santos, caminhoneiro que confessou ter simulado sequestro com bomba no Rodoanel. Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, publicado no UOL

Não era amor, era cilada, não era terror, mas mente abalada. Quando uma carreta trancou o Rodoanel por cinco horas e veio a público a informação de que havia uma bomba em sua boleia, um rosário de semoventes nas redes começou a usar o caso para defender a ideia de equiparar facções criminosas a grupos terroristas. Não dá para saber se o movimento foi orgânico ou algum vaqueiro digital resolveu tocar o berrante e puxar o rebanho.

Dada a proximidade do caso com as 121 mortes do desastre operação policial, no Rio de Janeiro, ou mesmo do sucesso da operação Carbono Oculto, em São Paulo, afirmavam que era retaliação do Comando Vermelho ou do PCC e tentaram incutir pânico.

Uma semana depois, a Polícia Civil de São Paulo desmascarou o motorista da carreta, Dener Laurito dos Santos, de 52 anos: ele mesmo quebrou o para-brisa com uma pedra, construiu uma bomba falsa com papel alumínio e fita crepe, se amarrou e, a partir daí, virou manchete nos principais veículos do Brasil.

Desmascarado ontem, afirmou que queria chamar a atenção para a falta de segurança dos caminhoneiros. O que é uma justificativa tão tosca quanto aquela do jornalista que roubou uma criança no hospital com a desculpa que queria mostrar que crianças podem ser roubadas em hospitais. Vai agora responder na Justiça pelo caos que causou.

Qualquer alternativa (ele acreditar realmente nisso, ter buscado uma forma de ter seus 15 minutos de fama em uma sociedade cada vez mais espetacularizada ou conseguir alguma vantagem econômica) reforça que ele tem problemas que precisam ser tratados. Ao que tudo indica, o que era explosivo não era o caminhão, mas a sua sanidade mental. Aos colegas do g1, ele disse que está agora sob acompanhamento psicológico. O UOL apontou que ele já foi PM, mas foi exonerado em 2006 pela prática de “atos desonrosos”.

Caminhão durante bloqueio de trecho do Rodoanel. Foto: Reprodução

A proposta da equiparação das facções a terroristas só ficou de fora no texto final do PL Antifacção aprovado pela Câmara dos Deputados porque houve muita crítica pública. Mas qualquer coisa foi usada para tentar mostrar que algo como um 11 de setembro de 2001 estaria próximo de acontecer por aqui e que a alteração legislativa em questão era necessária.

Na verdade, isso não mudaria em nada o combate ao crime por aqui, apenas daria uma razão para o Brasil sofrer sanções econômicas e pressões geopolíticas indevidas. Mas já descobrimos há tempos que o forte dessa turma não é o patriotismo.

Em uma sociedade à flor da pele como a nossa, a tentativa de colar um rótulo de terrorismo viraliza fácil, causa pânico, gera ansiedade. Até porque isso é mais fácil do que aceitar uma verdade ainda mais incômoda: nós não somos um agrupamento de indivíduos preocupados com as consequências de seus atos par o coletivo. E merdas assim vão acontecer de tempos em tempos, e temos pouco a fazer.

Se fossemos guiados sempre pelo interesse comum, não haveria político que defendeu de forma descarada que o Estado arcasse com os prejuízos do Banco Master por que o dono era seu amigo. Ou governador de Estado que colocaria dinheiro dos aposentados sabendo que o banco era podre.

Talvez, antes de sair gritando “terrorismo” para qualquer sombra, valesse olhar no espelho e admitir que o país que produz motoristas alterados e políticos oportunistas e não é vítima de uma guerra santa, mas de sua própria irresponsabilidade cotidiana. Enquanto a palavra terrorista segue sendo usada como arma retórica para aprovar leis ruins, a verdadeira bomba continua armada bem no meio da nossa incapacidade de pensar o interesse público acima do próprio umbigo.