Sakamoto: Bolsonaro rifa seu legado político ao usar a carta ’foi mal, tava doidão’

Atualizado em 23 de novembro de 2025 às 23:40
O ex-presidente Jair Bolsonaro. Imagem: reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O roteirista desta novela de baixo orçamento chamada “Brasil” vai se superando a cada dia. Desta vez, o ex-presidente Jair Bolsonaro alegou que tentou, com um ferro de solda, destruir sua tornozeleira eletrônica porque estava com “alucinação” de que havia alguma escuta dentro dela. Por ter tentado derreter o equipamento, o que permitiria sua fuga, ele foi preso ontem.

A desculpa do “foi mal, tava doidão” tem efeito limitado. Porque mais do que comprometer Bolsonaro, compromete quem vier agarrar ao seu legado nas eleições de 2026. Quem quiser herdar o seu espólio pode carregar não só votos, mas também a imagem de um político que admite que atropelou a lei por alucinação.

Interações medicamentosas podem levar a estados alterados de consciência, isso é fato. Poderíamos até nos solidarizar com ele, se o contexto fosse diferente. Por exemplo, se o seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, não tivesse convocado uma vigília que poderia gerar um caos, facilitando a fuga. Ou se o próprio Jair não tivesse feito um test drive de fuga de dois dias na Embaixada da Hungria, em fevereiro do ano passado, após ter seu passaporte apreendido.

Ou fugido para a Flórida dois dias antes do final do seu mandato com receio de que viesse a ser penalizado pela articulação golpista e para criar um álibi para o 8 de janeiro; ou ter sido descoberto, em seu celular, uma minuta de um pedido de asilo ao governo Javier Milei, na Argentina.

A justificativa do ex-presidente cola com o bolsonarismo-raiz, que acredita em conspirações envolvendo cavaleiros templários, bilionários esquerdistas, um sósia do Lula e, claro, Leonardo Di Caprio.

Mas para o eleitor que não se define como extremista-raiz, aquele que pesa candidatos pela credibilidade, pela integridade, pela racionalidade? Para esse eleitor, quem ficar ao lado de quem “tava doidão” ao cometer um crime terá problemas.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, após receber visita da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro – Gabriela Bilo/Folhapress

Bolsonaro disse, na audiência de custódia hoje que teve uma “certa paranoia” de sexta para sábado em razão de medicamentos que tem tomado e que interagiram de forma inadequada. E que não se lembra de ter tido surto dessa natureza em outra ocasião.

Pena, poderia ter dito que estava surtado quando empurrou os brasileiros para o abismo durante a pandemia, o que resultou em mais de 700 mil vidas perdidas. Pelo menos, familiares dos mortos teriam uma justificativa mais aceitável do que “não sou coveiro”.

O futuro candidato que abraçar esse legado vai ter de decidir se responde ao clã ou responde às instituições. Porque o episódio de Bolsonaro vira vídeo, vira meme, vira referência na campanha. E a pergunta não vai desaparecer: “tava doidão” para violar tornozeleira, mas “tava lúcido” para cometer erros ao governar o país e tentar um golpe de Estado?