
A segurança pública parece ser um problema insolúvel para o governo Lula, assim como o nó górdio no mito grego. A lenda conta que um antigo rei da Frígia, na Ásia Menor, morreu sem deixar herdeiro. Consultado, o oráculo indicou que o primeiro a chegar à cidade em uma carroça puxada por bois seria o novo rei. Górdio, um camponês, chegou nessas condições e foi nomeado. Para não esquecer a própria origem humilde, colocou a carroça no templo de Zeus e a amarrou com um nó considerado impossível de desatar. Sucedido pelo filho Midas, que também morreu sem herdeiros, o oráculo afirmou que quem desfizesse o nó conquistaria toda a Ásia.
Cinco séculos mais tarde, Alexandre, o Grande, ouviu a história ao passar pela Frígia e foi ao templo observar o famoso nó. Diante do desafio, desembainhou a espada e o cortou. Depois, como se sabe, conquistou a Ásia.
A mensagem da lenda é que certos problemas exigem soluções criativas e decisivas. A pergunta, agora, é se Lula será capaz de tomar uma decisão equivalente diante do desafio da segurança pública. Às vésperas do quarto ano do terceiro mandato, não há sinais de que o presidente esteja disposto a tomar uma atitude dessa natureza.
Dois nomes se destacaram para restaurar a ordem: Flávio Dino e Ricardo Cappelli. Atuando como ministro da Justiça e interventor, respectivamente, agiram com firmeza. Cappelli, em pouco mais de 20 dias, reorganizou minimamente a estrutura de segurança do Distrito Federal.
A dupla era uma das poucas dentro do governo com atuação enérgica contra os grupos bolsonaristas. Mas era necessário, também, enfrentar as facções criminosas que operam como Estados paralelos.
Pesquisas de opinião mostram que a segurança pública é, há anos, a principal ou a segunda maior preocupação da população. Em 2023, o Brasil registrou mais de 46 mil assassinatos; em 2024, foram quase 40 mil — números comparáveis aos de zonas de guerra. Somente as polícias mataram mais de 6 mil pessoas. Segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública, cerca de 28,5 milhões de brasileiros vivem sob influência de organizações criminosas ou milícias.
Essas facções atuam em áreas diversas: mercado financeiro, Amazônia, comunidades, forças de segurança, política, igrejas, além de negócios legais e ilegais que movimentam bilhões de reais. A amplitude do poder criminoso se expressa em crimes que geram medo cotidiano nas famílias. Assassinatos como os do delegado Ruy Ferraz Fontes e de Antônio Vinícius Gritzbach no Aeroporto de Guarulhos, além do avanço do chamado novo cangaço, mostram uma escalada de ousadia. O caso de Guarulhos revelou policiais atuando como guarda-costas de lideranças do PCC.

Governadores, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, passaram a adotar práticas que configuram pena de morte extrajudicial. As operações que resultaram nos massacres na Penha e no Alemão foram planejadas e executadas com objetivo político claro: colocar o governo federal na defensiva e usar a segurança pública como bandeira eleitoral da direita em 2026.
A história demonstra que respostas desse tipo fracassam. São incompatíveis com uma sociedade que pretende ser civilizada, mas, ainda assim, recebem apoio popular, diante do medo generalizado.
Enquanto isso, o governo federal insiste em acreditar que leis melhores resolverão o problema. O aperfeiçoamento legislativo não basta. Leis precisam de operadores eficientes. A PEC da Segurança Pública e o PL Antifacções, enviados ao Congresso, não foram boas iniciativas. O PL sofreu derrota dura na Câmara e abriu espaço para ataques da extrema direita, sem reação adequada do governo.
Ao tirar Flávio Dino do Ministério da Justiça, o governo também perdeu Ricardo Cappelli. No lugar, nomeou figuras de perfil discreto: Ricardo Lewandowski e Mário Sarrubbo. Ambos têm trajetórias sólidas — Lewandowski como ministro do STF e Sarrubbo no Ministério Público de São Paulo —, mas não se destacam em funções que exigem atuação incisiva.
Historicamente, a segurança pública sempre esteve entre os principais serviços esperados pelos povos em troca de impostos e apoio político. Proteger a população é um dos maiores sinais de um bom governo; falhar nessa tarefa revela o contrário. Nas democracias modernas, a segurança se consolidou como direito fundamental.
Além disso, a segurança pública compõe a capacidade de exercer autoridade legítima. Em certas circunstâncias, é preciso combinar força e persuasão de maneira equilibrada. O momento atual exige afirmação de autoridade por parte do Estado, com uso adequado da força coercitiva, sem violência arbitrária. O governo federal parece não compreender isso.
Lula tem pouco tempo para reagir com eficiência e inovação, se pretende enfrentar o problema até 2026. Ações pontuais, como a operação Carbono Oculto, não bastam. As forças federais — Polícia Federal, Receita, COAF e PRF — não dependem de novas leis para atuar. O governo precisa colocar essas instituições em ação contínua contra o crime organizado, em parceria com polícias estaduais e Ministérios Públicos.
A legislação já permite operações robustas. Diferentemente das execuções extrajudiciais, o enfrentamento federal deve funcionar com base em inteligência, investigação e desmantelamento das estruturas financeiras e de comando das facções. Não faltam instrumentos jurídicos para isso. O que falta é comando, prioridade e operadores experientes.