
O escritor holandês Rutger Bregman acusou a BBC de covardia após a emissora retirar, de sua primeira participação numa palestra tradicional da casa, uma frase em que ele afirmava que Donald Trump foi “o presidente mais abertamente corrupto da história dos Estados Unidos”.
O corte ocorreu no momento em que a corporação enfrenta forte pressão da Casa Branca e uma ameaça de processo bilionário movido pelo presidente americano.
As Reith Lectures são uma série anual de conferências organizadas e transmitidas pela BBC, no Reino Unido. Elas existem desde 1948 e foram criadas em homenagem a John Reith, o primeiro diretor-geral, defensor da ideia de que o rádio público deveria educar, informar e elevar o debate público.
Todo ano, a BBC convida uma figura de grande relevância intelectual — pesquisadores, filósofos, cientistas, juristas, escritores — para apresentar uma sequência de palestras sobre um tema amplo, sempre com forte impacto no debate público. Já passaram pelas Reith Lectures nomes como Bertrand Russell, Edward Said, Stephen Hawking, Hilary Mantel, Chimamanda Ngozi Adichie e outros pensadores de referência.
As palestras são transmitidas pela BBC Radio 4 e pela BBC World Service, e depois publicadas na íntegra. Para quem acompanha os debates públicos britânicos, as Reith Lectures são tratadas como um espaço de prestígio e influência intelectual.
Bregman afirmou que a frase havia passado por todo o processo editorial, fora gravada diante de 500 pessoas no BBC Radio Theatre e estava prevista integralmente na conferência intitulada “Moral Revolution”. Segundo ele, a decisão partiu dos níveis mais altos do grupo.
A BBC, por sua vez, confirmou que removeu a sentença após consultar advogados nos Estados Unidos, já que os programas também são exibidos no World Service. A reação veio em meio ao desgaste provocado por outro episódio: a edição de um discurso de Trump no programa Panorama, que gerou pedidos de demissão e a ameaça de uma ação judicial de até US$ 5 bilhões contra a emissora.
A controvérsia ocorreu apesar de o próprio Bregman já ter alertado a equipe sobre possíveis riscos legais. Ele disse ter sido informado, há uma semana, que advogados americanos estavam analisando o trecho — e recebeu na segunda-feira a confirmação de que ele seria suprimido.
Parlamentares britânicos pediram que o diretor-geral da BBC, Tim Davie, exibisse a versão completa, alegando que a emissora não pode ceder a “táticas de intimidação” vindas da Casa Branca. A BBC, porém, insistiu que segue rigorosamente suas diretrizes editoriais e que o corte foi estritamente jurídico.
Bregman, conhecido por discursos críticos ao poder econômico desde sua intervenção em Davos em 2019, disse estar “genuinamente consternado” com a decisão. Para ele, o episódio confirma o tema central de sua conferência: a “covardia paralisante” das elites, incluindo universidades, empresas e veículos de imprensa, diante do autoritarismo.
Ele afirmou respeitar os jornalistas da BBC, mas advertiu que a autocensura motivada pelo medo é um sinal preocupante. Ao defender que o trecho não era impreciso, Bregman afirmou que sua remoção é fruto do receio de retaliação por parte de Trump — justamente o tipo de situação que, segundo ele, ameaça a cultura democrática contemporânea.