Sakamoto: Por que Bolsonaro merece ir para casa e os demais presos doentes não?

Atualizado em 26 de novembro de 2025 às 9:04
Bolsonaro com médicos durante internação no DF Star. Foto: reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no Uol

Familiares e aliados de Jair Bolsonaro afirmam que a saúde do ex-presidente é delicada e ele não tem condições físicas e psicológicas de permanecer encarcerado. Teatralizam a vitimização, ignorando que se ele estava bem o suficiente para subir em carros de som para xingar o STF, participar de motociatas e gritar com oficiais de Justiça também estava para cumprir pena em regime fechado.

O ministro Alexandre de Moraes garantiu acesso a médicos caríssimos e de qualidade, privilégio que o universo carcerário não tem. E apesar de laudos contratados pela defesa de Jair endossarem o pedido de domiciliar, especialistas que acessaram os exames de Bolsonaro presentes no pedido enviado ao STF afirmaram à imprensa que ele, a princípio, tem sim condições de ser preso.

Enquanto isso, há milhares de outros criminosos com problemas muito mais graves e que mereceriam um benefício em caráter humanitário. Uma prisão domiciliar de Bolsonaro também mandaria para casa pessoas condenadas que estejam doentes? A pergunta é puramente retórica, sabemos que não.

O questionamento surge de um caso concreto. Adriana Ancelmo, então esposa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral Filho, conseguiu efetivar o direito previsto em lei de prisão domiciliar por ter um filho menor de 12 anos para cuidar. Com base nessa decisão, o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos pediu um habeas corpus coletivo em nome de todas as gestantes, puérperas e mães de crianças pequenas. Com isso, milhares de mulheres conseguiram ir para casa.

Bolsonaro poderia ser a Adriana Ancelmo dos detentos com problemas? Agora, a questão não seria de cumprimento de uma regra, mas de concessão de um benefício em caráter humanitário.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. Foto: Gabriela Bilo/Folhapress

Por isso, seria difícil estender um possível benefício de Bolsonaro ao restante dos presos. Durante a pandemia de covid-19, apesar de uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que presos sem periculosidade pudessem ser soltos, muitos casos foram indeferidos — o que transformou presídios em câmaras de morte.

Um habeas corpus coletivo foi impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julho de 2020, para estender uma decisão que transferiu Fabrício Queiroz, ex-faz-tudo de Flávio Bolsonaro, à prisão domiciliar para outros nas mesmas condições. Ele havia conseguido o benefício porque fazia parte do grupo de risco para covid-19 devido a um câncer.

O mesmo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, responsável pelo pedido, afirmou que era uma questão de Justiça estender a demais presos preventivos com câncer, HIV, tuberculose. O HC foi negado pela Justiça.

O último relatório do CNJ sobre o sistema prisional, produzido pelo Insper e pela Fundação Getúlio Vargas, indica que condições precárias como superlotação, falta de saneamento básico, alimentação inadequada e ausência de assistência médica causam ou gravam doenças. Morre-se com frequência dentro da cadeia por tuberculose, pneumonia, sepse e insuficiência cardíaca ou respiratória. Isso sem contar guerras de facções e maus tratos.

E Bolsonaro tem condições psicológicas de ficar em regime fechado ou a depressão vai agravar seu quadro de saúde.

Com taxas de suicídio subindo de 15,7 para 25,2 mortes a cada 100 mil presos entre 2016 e 2019, a questão da saúde mental no sistema carcerário tem sido destaque na imprensa após aliados políticos do ex-presidente afirmarem que ele está mal devido à condenação. Depressão é coisa séria, e muitos condenados sofrem com a mesma situação, mas não recebem a mesma atenção.

O debate, para não soar hipócrita, precisa incluir os demais criminosos condenados no sistema prisional, que convivem com situações graves. O caso Bolsonaro é um momento propício para trocarmos o “bandido bom é bandido morto” para “bandido bom é bandido que não é torturado ao cumprir pena para que possa ser reintegrado à sociedade”. Mas, se isso valer para Messias, precisa ser estendido para os demais pecadores.