Autor dos ataques em Washington foi membro de “esquadrão da morte” treinado pela CIA no Afeganistão 

Atualizado em 28 de novembro de 2025 às 6:15
Rahmanullah Lakanwal, atirador afegão. Foto: reprodução

Rahmanullah Lakanwal saiu de uma aldeia no Afeganistão e terminou na esquina de Washington, onde abriu fogo contra dois integrantes da Guarda Nacional.

Sua trajetória foi atravessada pela guerra que os Estados Unidos travaram no país durante duas décadas, diz o New York Times.

Ele tinha 5 anos quando as tropas norte-americanas entraram no Afeganistão após os ataques de 11 de setembro de 2001. Já adulto, integrou uma “Zero Unit”, força paramilitar afegã treinada e comandada em estreita cooperação com agentes americanos.

Essa ligação lhe permitiu deixar o Afeganistão quando o governo apoiado pelos Estados Unidos caiu em 2021, após o retorno do Talibã ao poder. Fugiu com a esposa e os filhos e começou vida nova em Bellingham, no estado de Washington. Trabalhou como motorista de entregas, enquanto as crianças brincavam nos corredores do prédio onde moravam.

Autoridades tentam entender o motivo que o levou a abandonar essa nova fase e chegar a Washington, onde, segundo o governo, matou um membro da Guarda Nacional e feriu gravemente outro perto de uma estação do metrô.

Ainda não há explicação para a escolha do local onde atacou o sargento da Força Aérea Andrew Wolfe e a especialista Sarah Beckstrom, ambos da Guarda Nacional. Ele os surpreendeu ao lado da estação Farragut West, usando um revólver .357. Disparou repetidas vezes contra um dos militares e, em seguida, voltou a arma para o outro, até ser baleado.

Lakanwal permanece internado sob vigilância em um hospital de Washington. De acordo com a promotora federal Jeanine Pirro, ele responde a três acusações de agressão com intenção de matar. O presidente Trump anunciou na noite de quinta-feira a morte de Beckstrom, o que deve levar a novas acusações, agora por homicídio em primeiro grau.

Criado na província de Khost, no sudeste afegão, Lakanwal viveu toda a infância em meio ao conflito. Em algum momento, entrou para uma “Zero Unit”, segundo uma pessoa que acompanha as investigações e um ex-integrante do serviço de inteligência afegão. Esses grupos pertenciam formalmente ao serviço de espionagem do Afeganistão, mas operavam de outra forma: recrutados, treinados e equipados com forte influência da CIA, segundo a Human Rights Watch.

As Zero Units eram conhecidas por operações noturnas e ações clandestinas. Grupos de direitos humanos e autoridades do Talibã as descreviam como esquadrões da morte. A Human Rights Watch registrou vários episódios atribuídos a essas equipes: execuções sem julgamento, desaparecimentos, ataques a hospitais e bombardeios aleatórios. A CIA nega essas acusações e afirma que foram difamações espalhadas pelo Talibã.

A unidade de Lakanwal atuava em Kandahar, cidade atingida por atentados e assassinatos durante a guerra. Um de seus irmãos era o vice-comandante do grupo, segundo um agente de inteligência afegão.

Um amigo de infância, identificado apenas como Muhammad por medo de represálias, contou que Lakanwal tinha dificuldades de ordem psicológica e se abalava com o número de mortos durante as operações. Ele dizia aos amigos que as missões eram duras e que a pressão era constante.

As “Zero Units” tiveram atuação importante durante a retirada dos Estados Unidos em 2021, mantendo seguras as bases norte-americanas e o aeroporto de Cabul. Muitos integrantes da unidade de Kandahar foram retirados do país com ajuda americana e se instalaram na região de Seattle.

Lakanwal chegou aos Estados Unidos por meio da Operação Allies Welcome, programa temporário criado no governo Biden para receber afegãos que temiam represálias do Talibã, especialmente aqueles que prestaram apoio às forças norte-americanas. Cerca de 76 mil afegãos entraram no país graças a esse mecanismo.

O Departamento de Estado destinou o condado de Whatcom, na fronteira com o Canadá, como local de reassentamento sob responsabilidade da organização cristã World Relief, que auxilia refugiados nos primeiros meses de adaptação. Diversas famílias afegãs chegaram à região nas semanas após a queda de Cabul.

Lakanwal se estabeleceu em Bellingham, a cidade-sede do condado, onde vivia com a esposa e os filhos. Três pessoas com conhecimento do caso afirmam que ele recebeu asilo em abril deste ano.

Durante algumas semanas no último verão, ele trabalhou como motorista para a Amazon Flex, entregando encomendas como contratado independente. Sua última entrega ocorreu em agosto, relata o Times.

Kristina Widman, dona de um imóvel na cidade, contou que já alugou uma das unidades para a família de Lakanwal por meio da World Relief. A organização, em nota, afirmou que não comentaria se prestou auxílio à família e disse que atende somente os casos encaminhados pelo governo.

Calin Lincicum, ex-vizinho, descreveu o prédio onde Lakanwal vivia como um conjunto habitacional subsidiado, ocupado por pessoas com deficiência, vítimas de violência doméstica, moradores em recuperação e idosos em tratamento.

Vizinhos relataram que a família era discreta. Lincicum lembrou apenas de uma conversa com a esposa de Lakanwal sobre culinária afegã. Muitos disseram ter ficado inquietos ao descobrir que o suspeito vivia no mesmo endereço.

Rachael Haycox contou que dormia em seu apartamento no terceiro andar quando ouviu um estrondo por volta das 3h da madrugada de quinta-feira.

Ela pensou inicialmente que agentes de imigração haviam chegado, mas ouviu o aviso: “FBI, temos um mandado de busca”.

Um drone e um robô com rodas foram usados na operação, que durou cerca de duas horas. À tarde, os agentes já haviam saído; a porta do apartamento estava danificada, e não houve resposta às batidas dos vizinhos.