
Vídeos publicados no TikTok com hashtags como “casadaaos14” e “casadaaos15” vêm levantando alerta entre especialistas por exibirem meninas, algumas aparentemente menores de idade, mostrando rotinas que simulam ou descrevem uma vida conjugal. Em um dos vídeos mais vistos, que acumula mais de 2 milhões de visualizações, uma jovem afirma: “Montando a marmita do marido”.
A postagem marca a hashtag #casadaaos14, que reúne centenas de conteúdos semelhantes. Outro perfil exibe a legenda “mini rotina, casada e grávida aos 14 anos”, acompanhada de hashtags como #cuidandodolar e #donadecasaporamor.
Segundo o G1, o TikTok removeu parte desses conteúdos após ser procurado e afirmou que as publicações violam as Diretrizes da Comunidade. Apesar disso, a postagem desses vídeos não é ilegal à luz do ECA Digital — o chamado PL da Adultização, sancionado por Lula em setembro. A legislação define obrigações para plataformas digitais, mas especialistas afirmam que o fenômeno pode não ser enquadrado como violação.
Para a pesquisadora Mariana Zan, do Instituto Alana, o conteúdo romantiza o casamento infantil e reforça estereótipos de gênero: “Isso reforça estereótipos de gênero, estereótipos de idade. E, ao mesmo tempo, retira o caráter de violência”. Ela destaca, em entrevista ao G1, que a naturalização do tema cria uma percepção de que a união entre adolescentes é aceitável ou até desejada.

Embora seja proibido casar antes dos 16 anos no Brasil, segundo o IBGE, 34 mil crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos viviam em união conjugal em 2022. A maior parte das meninas que se apresentam como “casadas” nas redes relata rotina doméstica, cuidado da casa e menções a “marido”, enquanto outras adolescentes comentam experiências de união ou expressam vontade de viver com seus namorados. Em alguns casos, há relatos ou insinuações de relações com homens mais velhos.
A pesquisadora Raquel Saraiva, do Instituto IP.rec, afirma que parte das adolescentes cria esse conteúdo para viralizar: “Existe essa ideia de que a rede social vai transformar elas em pessoas famosas, e assim elas vão conseguir ganhar dinheiro com isso”.
Ela explica que muitos dos perfis exibem lifestyle, o que facilita o engajamento. “É como se tivesse sido uma decisão delas”, diz sobre vídeos em que jovens afirmam ter “fugido de casa” ou escolhido casar.
Além das hashtags principais, o TikTok exibe vídeos sugeridos associados a termos como #donadecasa, #gravideznaadolescencia e #mulherdepreso. A plataforma afirma que isso ocorre porque páginas de hashtags mostram conteúdos relevantes ou populares relacionados ao tema.
Especialistas, porém, criticam a falha na moderação. “Do ponto de vista das redes sociais, existe uma falha de moderação de conteúdo”, afirmou Saraiva. Para ela, conteúdos que indiquem casamento infantil deveriam ser tratados como sensíveis.
Organizações como a Oxfam Brasil apontam que o casamento infantil está diretamente ligado a vulnerabilidade econômica, evasão escolar e violência. Segundo Viviana Santiago, diretora executiva da entidade, o tema é marcado por invisibilidade: “O casamento infantil é um fenômeno invisível porque na verdade ele é considerado uma solução moral”. Ela afirmou que fatores como gravidez precoce, pobreza e violência doméstica impulsionam essas uniões informais.
O ECA Digital determina que plataformas adotem medidas para proteger crianças e adolescentes, incluindo vincular contas a responsáveis e remover conteúdos inadequados.
Mas especialistas afirmam que casos como os das hashtags de “casamento infantil” se situam em uma área cinzenta. “Pode ser que não seja barrado”, explica Zan, já que a violência nem sempre é reconhecida de forma explícita.