USPS: por que a privatização dos Correios não avança nos EUA

Atualizado em 1 de dezembro de 2025 às 10:29
Trabalhadora do Serviço Postal dos Estados Unidos retirando correspondências de uma caixa de correio em Manheim, Pensilvânia. Foto: Reprodução

O United States Postal Service (USPS) emprega cerca de meio milhão de trabalhadores e já esteve na mira do governo Trump. Mesmo assim, continua funcionando como serviço público.

Criado junto ao processo de formação do país, o serviço postal carrega uma trajetória ligada aos primórdios da independência. Benjamin Franklin assumiu o posto de primeiro postmaster general em 1775, quando as 13 Colônias ainda estavam às vésperas de romper com o domínio britânico.

Ao contrário de vários países que, desde os anos 1990, transferiram seus sistemas de correio à iniciativa privada, os EUA mantêm o USPS sob o controle federal. A estrutura é enorme: mais de 34 mil agências, uma frota com mais de 230 mil veículos e quase 496 mil empregados.

O tamanho impressiona principalmente quando comparado à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que tem pouco menos de 100 mil funcionários. No Brasil, a privatização entrou na pauta do governo Bolsonaro, que enviou um projeto de lei ao Congresso no início de 2021.

Nos EUA, o USPS não é financiado por impostos, mas pela receita obtida com envios de cartas e encomendas. Apesar disso, fechar as contas no azul virou exceção: o último resultado positivo ocorreu em 2006. As perdas acumuladas até 2020 ultrapassaram US$ 80 bilhões. Mesmo assim, propostas de privatização nunca prosperaram — a mais recente, apresentada na gestão Trump, foi rejeitada por parlamentares dos dois partidos.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Reprodução

Por que republicanos e democratas resistem

Segundo a economista Monique Morrissey, do Economic Policy Institute, parte dos republicanos se opõe à privatização porque representa regiões rurais que dependem fortemente do serviço postal. Nessas áreas, o USPS é visto como instituição quase tão simbólica quanto escolas públicas ou as Forças Armadas.

Pequenos comércios do interior dependem das tarifas fixas e da logística do serviço federal. Plataformas como o Etsy, por exemplo, contam com o envio barato de pequenos pacotes.

Como o Congresso define os preços, há receio de que uma privatização resulte em tarifas mais altas, sobretudo nas regiões remotas, onde operar custa caro. Atualmente, a agência é obrigada a atender todos os endereços, independentemente da distância.

Essa combinação reúne apoios diferentes: republicanos preocupados com áreas rurais e democratas atentos aos sindicatos e a serviços públicos acessíveis.

Popularidade alta

Pesquisas de opinião mostram avaliações amplamente positivas do USPS. Um levantamento do Pew Research Center, de 2020, indicou aprovação de mais de 90% da população — índice maior que o de órgãos de saúde federal.

Para o pesquisador Joel Griffith, da Heritage Foundation, a boa reputação se deve ao contato cotidiano dos americanos com o serviço, que faz entregas seis vezes por semana.

O historiador Ted Widmer destaca o peso simbólico do órgão, criado antes mesmo da independência formal. Para ele, o carteiro ainda representa uma presença diária e acessível, capaz de fazer circular documentos de quem não usa internet, como idosos e famílias de baixa renda.

Apesar da queda brusca no volume de cartas desde os anos 1990, milhões de pessoas continuam dependendo do serviço tradicional.

O debate sobre os prejuízos

A origem das perdas financeiras divide especialistas. Morrissey atribui grande parte ao mecanismo aprovado pelo Congresso em 2006, que obriga o USPS a reservar recursos antecipadamente para benefícios futuros de saúde e aposentadoria. Essas provisões pesadas teriam distorcido os balanços.

Griffith discorda: para ele, os salários e benefícios pagos estão acima dos praticados no setor privado, e as obrigações precisam ser contabilizadas.

Outro problema citado é a expansão constante do número de endereços a serem atendidos, enquanto o volume de correspondências cai. Em um país com longas distâncias, manter o compromisso de universalidade exige altos gastos.

Ambos concordam que o modelo atual exige ajustes. Mas discordam sobre a direção: enquanto o EPI defende ampliar atividades permitidas, o Heritage Foundation prefere flexibilizações que reduzam custos e diminuam dias de entrega.

O PAEA, lei de 2006, limita o que a agência pode oferecer além de cartas e encomendas. Hoje, pode vender selos, tirar cópias, processar passaportes e transportar itens curiosos como pintinhos vivos ou sorvetes. Ideias como entregar compras de supermercados ou fornecer serviços bancários simples não podem ser adotadas sem mudanças legais.

Entre 1911 e 1967, os americanos puderam manter pequenas economias em um sistema postal de poupança. Retomar algo nessa linha poderia ajudar parte da população que não tem acesso a bancos, que enfrenta tarifas elevadas ao descontar cheques e depende de serviços financeiros caros.

A tentativa sob Trump

Em 2018, o governo Trump propôs uma reorganização do USPS com vistas a uma eventual privatização. A iniciativa enfrentou resistência imediata de parlamentares de ambos os partidos e não avançou. Mesmo assim, mudanças pontuais e polêmicas foram implementadas até o fim do mandato.