Jornalões passam mal e podem ir a óbito. Por Moisés Mendes

Atualizado em 1 de dezembro de 2025 às 20:05
Bancas de jornal exibem edições da Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Valor Econômico e outros veículos nacionais e internacionais. Foto: Reprodução

Essa chamada esteve na capa da Folha durante um bom tempo na semana passada. Vamos recuperá-la, para que seja bem compreendida:

“Um mês após operação mais letal da história, investigação no Rio não consegue ligar mortes a autores”.

E agora a abertura do texto dessa chamada da Folha:

“Um mês depois da operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, a investigação da Promotoria ainda não conseguiu apontar quem são os autores das 122 mortes ocorridas em confronto na ação, cinco delas policiais”.

A manchete confunde o que o texto esclarece nas primeiras linhas. O título escamoteia a informação que importa. Ligar morte a autores? Que história é essa?

A manchete, ao invés de fazer voltas enrolativas, deveria dizer o seguinte:

“Promotores não conseguem identificar os matadores da chacina do Rio”.

A manchete da Folha. Foto: Reprodução

A Folha, o Globo e o Estadão continuam, por medo do fascismo, chamando ‘a matança de a operação mais letal’. Não têm coragem nem de dizer que foi a operação mais mortal.

Porque a palavra letal engana, dá a entender que é outra coisa eufemística, e assim o jornalismo passa a usar nas manchetes a linguagem dos doutores de porta de delegacia, delegados, promotores, juízes e juristas.

Os jornais entraram na conversa dos operadores do Direito. É a síndrome da hermenêutica. É assim que os jornalistas passam a dizer, como diz a direita, que os assassinados pelas polícias vêm a óbito.

Não morrem, não são assassinados, não são chacinados, eles vêm a óbito em decorrência de operações letais. O jornalismo das corporações passa mal e também está perto de vir a óbito. Assassinado pelos donos, com a cumplicidade de muitos jornalistas.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/