
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Nem bem Jair se ambientou à carceragem da PF, a crise sucessória já se instalou no clã Bolsonaro. Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro criticaram a madrasta, Michelle, por atacar a aliança do PL do Ceará com Ciro Gomes (PSDB). Ele pode concorrer ao governo do estado com o apoio da direita para impedir a reeleição do petista Elmano de Freitas e dificultar votos em Lula.
Flávio e Michelle, neste momento, podem disputar a Presidência ou, mais possível, a vice.
O senador disse a Igor Gadelha, do portal Metrópoles, que a diretora do PL Mulher “atropelou o próprio Bolsonaro, que havia autorizado o movimento do deputado André Fernandes no Ceará”. Também afirmou que ela foi “autoritária e constrangedora” ao se dirigir a Fernandes. Eduardo e Carlos endossaram o irmão, afirmando que a articulação havia sido aprovada por Jair e que é preciso respeitar a liderança dele.
Ciro já criticou Bolsonaro um rosário de vezes, chamando-o inclusive de ladrão de galinha.
Flávio foi além e tentou enquadrar Michelle. A João Paulo Biage, do jornal O Povo, afirmou: “Michelle não é política e precisa entender que a forma de tomar uma decisão às vezes é mais importante do que a própria decisão”. E que “a decisão sobre as candidaturas majoritárias nos estados não é pessoal da Michelle, nem minha, nem de Valdemar [da Costa Neto, presidente do PL]”. Disse que haverá discussão interna no partido, mas a decisão final será sempre de seu pai.
Entre tapas, beijos e facas no escuro, os filhos tentam manter a liturgia da obediência ao patriarca encarcerado. Mas a verdade é que, com Jair atrás das grades, o bolsonarismo pode virar franquia sem franqueador: cada um abre sua loja, cola o adesivo na porta e finge que segue o manual.
Michelle, promovida a protagonista pelas circunstâncias, tenta puxar para si o centro gravitacional de um movimento que sempre orbitou o macho-alfa-wannabe.
Olha Michelle Bolsonaro dando bronca no André Fernandes, aquele deputado trombadinha que meteu a mão no meu microfone uma vez. Quem mandou se aliar ao Ciro Gomes, agora será cobrado. pic.twitter.com/3YSzYFVh38
— GugaNoblat (@GugaNoblat) November 30, 2025
E os filhos, que cresceram à sombra da autoridade do pai, se mexeram rapidamente para não deixar a impressão de que há um vácuo de poder e de que são eles que expressam a vontade de Jair. O recado dos três é claro: Bolsonaro continua sendo o chefe, mesmo de dentro da cela — e é Flávio o porta-voz do sobrenome.
Só falta combinar com a realidade. Michelle vocaliza o ultraconservadorismo religioso, que é parte integrante do bolsonarismo raiz. E esse grupo pode não gostar de uma solução que passe por um casamento com o Centrão. Com isso, há um caminho para ser trilhado por alguém da extrema-direita, sem cargo político, vencer a eleição — como o empresário e influenciador Pablo Marçal, que surpreendeu em São Paulo no ano passado.
Enquanto a ex-primeira-dama tenta encarnar o espírito puro e duro da base conservadora e Flávio se apresenta como intérprete oficial das vontades do pai preso, a direita segue fraturada. No fim, quem herdar esse espólio tóxico não vai disputar apenas a próxima eleição, mas também o direito de definir o que, afinal, “bolsonarismo” quer dizer daqui para frente. E, como sempre, não necessariamente vencerá o mais forte, mas o mais apto a sobreviver ao tiroteio interno antes mesmo de enfrentar as urnas.