Sakamoto: Lula tenta ‘vacinar’ Brasil ao pedir apoio de Trump no combate ao crime

Atualizado em 2 de dezembro de 2025 às 16:35
Os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Lula, em encontro na Malásia. Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Por Leonardo Sakamoto, publicado no UOL

Em um telefonema de 40 minutos com Donald Trump, Lula aplicou uma “vacina” na relação entre o Brasil e os Estados Unidos a fim de evitar que o tratamento que vem sendo dado à Venezuela seja replicado por aqui. Trump vem ameaçando o país vizinho usando como justificativa o combate ao narcotráfico.

Em nota divulgada, o Palácio do Planalto afirmou que Lula pediu apoio de Trump para combater o crime organizado internacional, ressaltando a urgência em reforçar a cooperação com Washington. E disse que estamos fazendo a lição de casa ao destacar “as recentes operações realizadas no Brasil pelo governo federal com vistas a asfixiar financeiramente o crime organizado”, o que inclui a identificação de “ramificações que operam a partir do exterior”.

O presidente norte-americano teria manifestado disposição em trabalhar junto com o Brasil e que “dará todo o apoio a iniciativas conjuntas entre os dois países para enfrentar essas organizações criminosas”.

Lula adianta-se, dessa forma, a uma hipotética adoção de sanções contra o Brasil por conta da existência de facções criminosas que atuam no âmbito internacional, como o PCC e o Comando Vermelho.

E mantém as ações de combate ao crime organizado nos termos de Brasília e não de Washington, garantindo que os EUA ajudem naquilo que podem fazer de melhor, como o combate à lavagem de dinheiro e o bloqueio de ativos em seu território, por exemplo.

Em 23 de outubro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) sugeriu, em uma rede social, que os Estados Unidos atacassem supostas embarcações com drogas na costa do Rio de Janeiro. Ele repercutia o bombardeio de mais uma embarcação pelos EUA, supostamente envolvida com o tráfico de drogas.

“Ouvi dizer que há barcos como este aqui no Rio de Janeiro, na Baía de Guanabara, inundando o Brasil com drogas. Você não gostaria de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?”, comentou o senador sobre uma postagem do secretário de Defesa/Guerra Pete Hegseth que anunciava mais um ataque a barco pelo Tio Sam.

Depois disso, a oposição no Congresso Nacional tentou equiparar facções criminosas a organizações terroristas, utilizando para isso o PL Antifacção. A medida, inócua do ponto de vista de eficácia no combate ao crime, apenas traria sanções econômicas a empresas aqui instaladas.

A estratégia de Lula contrapõe o imaginário de uma “salvação de cima”, hipócrita e paternalista, substituindo-o por um chamado à responsabilidade compartilhada entre estados, respeitando a institucionalidade brasileira. Ao reivindicar ajuda dos EUA, o presidente tenta garantir: cooperação, não interferência; parceria, não imposição.

O resultado, por ora, é uma tentativa de um ato de contenção. Trump sinalizou “total disposição” para colaborar em iniciativas conjuntas de combate ao crime organizado.

Mas o que está em jogo vai além de acordos pontuais para asfixiar dinheiro ou armas ilegais: trata-se de afirmar a soberania do Brasil enquanto se recorre a aliados, sem abrir mão da autonomia de definir seus próprios rumos, e sem entregar o controle da política de segurança ao Capitólio.

Em tempo: Na conversa, Lula também avaliou como positiva a retirada do tarifaço de 40% imposto pelos EUA a produtos como carne, café e frutas após pressão do clã Bolsonaro. E defendeu que os dois países avancem na negociação da remoção da tarifa para demais itens.