
O ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, concedeu entrevista ao DCM e antecipou uma série de movimentações envolvendo o crime organizado e a política fluminense. Duas semanas depois, várias das previsões feitas por ele começaram a se confirmar, ampliando o alcance das revelações.
Durante a conversa, Garotinho detalhou as conexões do Comando Vermelho com o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, aliado direto do governador Cláudio Castro. Segundo ele, TH Jóias entregaria, ainda antes do fim do ano, informações capazes de levar à prisão do deputado — uma declaração que, à época, soou explosiva, mas agora ganha força diante de novos desdobramentos.
Garotinho também descreveu uma estrutura muito mais sofisticada do PCC, que, segundo ele, deixou de atuar apenas no narcotráfico e expandiu seus negócios para o tráfico de pedras preciosas e ouro em países como Trinidad e Tobago e Gana. O ex-governador afirmou ainda que a facção transferiu parte de seu “staff” operacional para Portugal, onde já contaria com mais de mil integrantes, transformando o país europeu em uma base estratégica de operações e lavagem de dinheiro.
Outro ponto levantado na entrevista — e que também ganhou confirmação recente — foi o esquema de tráfico internacional de medicamentos, que abasteceria uma rede de farmácias de fachada no Brasil usadas exclusivamente para lavar recursos do Primeiro Comando da Capital.
Nos dias seguintes, todas essas frentes começaram a vir à tona, peça por peça, reforçando o alerta de Garotinho e abrindo novas fraturas entre política e crime organizado no eixo Rio–São Paulo.
Veja o que Garotinho antecipou ao DCM:
No caso do TH Joias, especificamente, eu estava desconfiado, pois estava fazendo outra matéria sobre o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, de uma foto que tinham me mandado dele descendo em um campo de futebol na cidade de Natividade, num helicóptero em que constavam duas iniciais estranhas além do prefixo do helicóptero: as iniciais MM. Liguei para empresas de táxi aéreo e o cara me disse: “Ih, rapaz, não se mete nisso não, esse cara é o rei do ouro. Esse cara é do Pará, ele tem uma empresa, a MM Gold, ele é bilionário. A última vez que a PF o prendeu, a acusação era de R$ 16 bilhões em ouro extraídos de forma ilegal.”
Aí fui buscar as conexões entre um cara que saiu do Pará emprestar helicóptero para um presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro viajar o estado. Essa gente não faz favor de graça, dá com uma mão pedindo com a outra.
Comecei a cutucar. Ele, como muitos empresários com capital de empresa muito grande, para abrir em vários estados, põe a empresa como parte do capital social majoritário de outra empresa e, assim, vai constituindo empresa em vários estados. Nisso, achei uma empresa no Rio chamada Zocar Caminhões com o capital da MM Gold (na época Gana Gold ainda). E o contrato que ela tinha com o Estado era com a CEDAE, a companhia de água – que teve privatizada a distribuição de água, mas a captação e o tratamento continuam com o governo, bem dizer privatizaram a conta. A partir desse dado, fui ver o contrato e era com caminhão-pipa dessa empresa para transporte de água para atender comunidades. Ao investigar no Portal da Transparência, vi faturas de R$ 3 a 4 milhões de reais.
Achei também que os diretores e presidentes da CEDAE eram indicados pelo governador e pelo presidente da Alerj em uma composição que deu a um a parte jurídica e financeira, ao outro a presidência.
Mas achei ainda que isso era muito pouco para o cara colocar um helicóptero aqui. Segui cutucando e descobri que a Zocar Caminhões tinha negócios com uma construtora, a ConstruVerde, que ganhou licitação para fazer um aterramento preparatório para a construção do novo Guandu, num contrato de R$ 450 milhões. Aí não é só água, é área, terra, máquinas, contratos grandes.
Juntei TH Joias, ouro e, apertando daqui e dali, consegui a ligação da movimentação financeira dele. Publiquei até uma foto dele deitado em um colchão que ele fez de notas de dinheiro, um colchão de R$ 5 milhões. Recebi vídeos pornográficos dele se masturbando para traficantes, mas esses eu não quis publicar.
O cara que num dia está abraçado no comando da Polícia Militar em fotos, no outro está se masturbando para traficantes. Provavelmente passando informação da própria polícia ou essa informação é muito grande.
Comecei a bater no TH Joias e em sua ligação com governador, comandante da PM, secretários, presidente da Alerj. A partir disso, fizeram uma operação e finalmente prenderam o TH Joias.
Depois da prisão dele, dei a informação: TH Joias falou que, se não soltarem ele até novembro, ele vai contar tudo que sabe. Aí vem a Operação Contenção.
Cláudio Castro foi um vereador com apenas 10 mil votos, com experiência zero em administração, não sabia nada de aliança política, então terceirizou o governo para a Assembleia Legislativa e botou como responsável por essa coordenação um sujeito que deveria estar preso, que é o Rodrigo Bacellar – que começou sua carreira de deputado, já está no segundo mandato, com declaração de, sei lá, uns R$ 200 mil, e hoje tem mansão em Teresópolis por R$ 4 milhões, mora em cobertura dupla em Botafogo, em frente ao Palácio da Cidade, e diz que paga R$ 2 mil de aluguel. Nem o IPTU dele vale isso. O Ministério Público tinha arquivado um processo contra ele por enriquecimento ilícito, mas depois das minhas denúncias, o Conselho Superior reabriu.
Em primeira mão digo para você que ele está construindo em Campos de Goytacazes, que é a cidade dele, um clube privado que tem sauna, campo de golfe, piscina, campo de futebol society. Ele é o elo entre o governador e o CV.
Um cidadão aqui do RJ lava o dinheiro do CV através dos seus postos de gasolina. Quem advogou para ele quando ele foi preso, após investigação que fiz, foi o Rodrigo Bacellar. Esse empresário foi o maior doador de campanha do Cláudio Castro.
O resumo do Rio é esse: todos os órgãos e secretarias com níveis variados de corrupção e milhões ou bilhões desviados a partir desse pacto que estava feito com o Comando Vermelho, que não sei se continua, pois, depois da prisão do TH, há duas versões: queima de arquivo ou briga entre Castro e Bacellar.
PCC e CV não competem. O PCC tem como ponto central o porto de Santos. Por ali, ele manda droga para Europa, Ásia, África e parte dos EUA, pois, nos EUA, os cartéis mexicanos não deixam o PCC entrar com mais força. Em Trinidad e Tobago, o PCC negocia ouro; em Gana, diamante e pedras preciosas; no Leste Europeu, armas. O negócio do PCC não é mais o combustível, isso é só uma parte. Hoje a força está nas bets. Quarenta por cento das bets legalizadas são bancadas pelo PCC; aí vem setor imobiliário, farmácias, fundos de investimento, rede de motéis. Eles compraram até uma das padarias mais famosas de São Paulo, onde Adoniran Barbosa cantava.
A base do PCC é Portugal; lá, eles têm mil homens. Esse levantamento é do sistema de inteligência do país. Pode consultar lá que você vai achar. A droga chega em Portugal e de lá vai para outros lugares.
Você já viu o negócio que mais prospera hoje no Brasil? Você anda numa rua qualquer do Brasil e tem 20 farmácias. É para lavar dinheiro. Eu mesmo testei isso: Fui numa farmácia e pedi um determinado remédio e o cara falou que se eu levasse dois sairia pelo preço de um e ainda esse um que eu pagaria era mais barato do que o valor original do remédio. Isso é a carga roubada que custou zero para eles. É um esquema muito forte.