
Pautas complexas, como essa provocada por Gilmar Mendes ao decidir que todo pedido de impeachment de ministro do Supremo deve passar pela PGR, também permitem sínteses esclarecedoras.
A seguir, uma síntese possível. Vamos supor, como em qualquer outra controvérsia que divida o Brasil, que metade do país esteja com Gilmar Mendes e a outra metade esteja contra. Identificando nomes que orientam as posições de cada uma das metades, temos uma noção de referências iluminadoras.
A metade com a tese de que a lei do impeachment, de 1950, precisa se adequar à Constituição, como defende Mendes, tem Lenio Streck, Flávio Dino, Pedro Serrano, o jurista cearense Jorge Hélio Chaves de Oliveira e quase toda a esquerda.
O time dos que acham que deve ficar tudo como está e que Mendes inventou moda tem Fernando Schüler, Merval Pereira, Carlos Andreazza, Davi Alcolumbre, Rafael Mafei (professor de Direito da PUC/SP) e quase toda a direita, não só a bolsonarista.
Parte da esquerda, por achar às vezes que tem algumas coisas das almas lindamente liberais e excessivamente republicanas, concorda com os que questionam Mendes. Um argumento usual dessa turma: um dia tudo isso pode se virar contra nós.
Nós quem, companheiro? O raciocínio, bastante egocêntrico porque seus autores se consideram relevantes como vozes políticas, parte do pressuposto de que devemos considerar sempre que, daqui a algum tempo, tudo vai se inverter, e Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e até Flávio Dino podem nos “perseguir”.
É como argumentam: eles vão nos pegar. Os mais alarmistas dizem que o que for alterado agora, como Mendes deseja, estará no futuro a serviço do ativismo do STF para o bem e para o mal. As esquerdas verão em pouco tempo o erro que cometeram com o esquerdismo de Mendes e Moraes.

Antigamente, dizia-se que esses alarmistas tocavam nas bandas das cassandras, da turma do “olha só que eu estou avisando”. Se acontecer algo parecido com os alertas, podem comemorar: eu avisei.
É um raciocínio de um simplismo típico da direita. Mas podem se acalmar, porque não: Moraes não irá enquadrar as esquerdas do jeito que enquadra o fascismo.
Moraes defendeu a democracia, levando com valentia a eleição até seu desfecho em 2022, enquadrou os golpistas e os condenou à prisão, com a ajuda dos votos da Primeira Turma do STF.
É improvável que políticos ou pessoas comuns, que não se dediquem a projetos golpistas (como os manés de 8 de janeiro se dedicaram), à máfia das emendas e à cumplicidade com o crime organizado e com milicianos, possam ser enquadradas por ministros do Supremo.
Por que seriam? Os ministros de Bolsonaro seriam uma ameaça às esquerdas? O que eles, com dois votos (mais a ajuda de Fux), poderiam fazer, diante de uma maioria declaradamente antifascista, para “nos pegar”?
Alguns lembram o cerco da Lava Jato a Lula, para tentar criar equivalências, mas os desatinos do lavajatismo são de outro departamento, e nesse caso o STF foi cúmplice pela omissão. Não há comparação.
Parem com a conversa da autocontenção de André Mendonça. Relaxem um pouco, desfrutem do esforço para cercar o bolsonarismo também nos estados, e não vejam Moraes como o velho do saco. Deixem os delírios persecutórios para os fascistas.