Os juízes, os poderosos, o jatinho e o banquete. Por Moisés Mendes

Atualizado em 8 de dezembro de 2025 às 10:11
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Reprodução

Descobriram que Dias Toffoli viajou a Lima, na condição de torcedor do Palmeiras — e não de ministro do Supremo (prestem atenção nesse detalhe) — em um jato particular que levava junto um advogado de alto diretor do banco Master.

As investigações da Polícia Federal sobre as bandalheiras do Master estão sob a supervisão do ministro no STF. O advogado no avião é o ex-secretário Nacional de Justiça Augusto Arruda Botelho, que defende Luiz Antonio Bull.

Botelho é amigo do proprietário do jatinho, o empresário Luiz Osvaldo Pastore. Estavam no avião mais de dez passageiros que foram à final da Libertadores em Lima, vencida pelo Flamengo. A viagem, no dia 28 de novembro, foi revelada pela coluna de Lauro Jardim, do Globo.

O caso se espalhou e é manchete dos jornais. Mas é provável que não dê em nada. Quase nunca dá. Dirão que Toffoli estava no avião com uma dúzia de pessoas e que o jato não é de Botelho, que era apenas um dos convidados.

Magistrados sempre cometem essas barbeiragens e aparecem, por distração, em lugares nos quais não deveriam estar. Foi por descuido, segundo a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, que oito desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e mais dois juízes de primeira instância participaram de um jantar em Brusque oferecido pelo milionário Luciano Hang.

Foi no dia 16 de dezembro do ano passado. A foto do jantar, num casarão do véio da Havan, foi vazada para o repórter Vinicius Segalla, do DCM, e apareceu depois nos jornais — menos no Globo, que escondeu o episódio, não se sabe por quê. Dos oito desembargadores, quatro julgavam casos envolvendo o véio da Havan no TJ.

Luciano Hang (ao fundo, de pé) oferece jantar de Natal a desembargadores e juízes de Santa Catarina em sua mansão em Brusque (SC). Foto: arquivo pessoal

O CNJ abriu sindicância preliminar, que foi logo arquivada, com o seguinte argumento: os oito desembargadores foram em excursão e por conta própria ao jantar. O autor do convite não pagou nada.

Cada um dos magistrados pagou R$ 100 pela viagem de Florianópolis a Brusque, aparentemente num micro-ônibus ou numa van, e se dirigiram ao banquete sem que muitos deles soubessem que o anfitrião era o responsável pela restauração do casarão, que ele comprou anos atrás — ou seja, o famoso véio da Havan. É o que diz o CNJ.

O que aconteceu depois? Quatro desembargadores saltaram fora dos processos que julgavam e que tinham o empresário banqueteiro como parte interessada. Declararam-se impedidos. E o CNJ deve ter entendido que isso bastava. E nada mais aconteceu.

Oito desembargadores, os mais altos juízes da mais alta corte do Estado, viajaram em excursão para um jantar sem saber que o anfitrião era o dono do casarão, sob o pretexto de que estavam participando de um evento de caráter cultural após a restauração do prédio.

Já Toffoli não foi convidado por parte interessada nos processos que supervisiona no STF. O avião não pertence ao advogado do Master e é possível que os dois não tenham trocado uma palavra durante os voos, na ida e na volta. Toffoli estava ali apenas como torcedor. É o que se sabe que irão dizer.

Se o jantar de Santa Catarina, com quatro desembargadores diretamente envolvidos no julgamento de processos do anfitrião, não resultou nem mesmo em investigação, por que o caso do jato da Libertadores resultaria?

É assim que funciona em todo o Brasil. Réus comuns não terão nunca o direito de tomar um cafezinho com o juiz que cuida de seus processos. Mas os que podem conversar com magistrados, por poder econômico e político, oferecem o que têm. É da rotina da vida dentro e fora de foros e tribunais.

Sempre lembrando que nenhum ingênuo crônico acreditaria que um jantar ou uma carona num avião são suficientes para que se suspeite que tais fatos configuram, por si sós, uma prova de promiscuidade.

Um jantar ou uma carona num jato são eventos reveladores das relações dos poderosos com os que vão decidir sobre suas vidas no sistema de justiça. É isso, é muito simples assim. A suspeita de promiscuidade e de outros desdobramentos deve ser investigada a partir daí — quando investigam.

(Aqui o link do texto que explica o caso de Brusque, com a argumentação do CNJ, que trata os desembargadores como uma turma de velhinhos que entram numa van e não sabem direito os detalhes do banquete que os levou a pegar a estrada.)

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/