Delação de Beto Louco liga show de Roberto Carlos no AP a pagamentos para Alcolumbre

Atualizado em 13 de dezembro de 2025 às 18:58
Alcolumbre com a mulher, o pai e Roberto Carlos no show que teve dinheiro de Beto Louco

O Réveillon de 2025 no Amapá foi apresentado oficialmente como um caso de sucesso de gestão cultural e atração de investimentos privados. A programação incluiu shows de grande porte em Macapá, com artistas como João Gomes, Alceu Valença, Pablo do Arrocha, Alok e Roberto Carlos. Em material institucional, o governo estadual atribuiu o êxito dos eventos ao governador Clécio Luís e ao senador Davi Alcolumbre, destacando um suposto trabalho de articulação que teria despertado o interesse da iniciativa privada. O texto, porém, não esclarecia de que forma o senador, sem cargo no Executivo estadual, teria participado diretamente da organização ou do financiamento das festividades.

De acordo com a revista Piauí, uma narrativa muito diferente surgiu a partir de uma proposta de colaboração premiada apresentada à Procuradoria-Geral da República por dois empresários investigados em esquemas bilionários no setor de combustíveis: Roberto Leme, conhecido como Beto Louco, controlador da Copape, e seu sócio Mohamad Hussein Mourad. Segundo o documento, os dois afirmam ter irrigado o Congresso Nacional com dezenas de milhões de reais entre 2021 e 2025, em troca de influência política e interferências regulatórias. Entre os nomes citados com maior destaque estão o senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e Antonio Rueda, presidente do União Brasil.

No episódio específico dos shows em Macapá, a proposta de delação relata que Beto Louco teria pago 2,5 milhões de reais para viabilizar o show de Roberto Carlos, valor que, segundo ele, foi solicitado diretamente por Davi Alcolumbre. A tratativa teria ocorrido em 20 de dezembro de 2024, durante uma reunião presencial no gabinete do senador, em Brasília. De acordo com o relato, o pagamento teria sido uma forma de tentar reverter uma decisão da Agência Nacional do Petróleo que proibiu a Copape de atuar na produção de combustíveis, principal atividade da empresa. O empresário classificava a decisão da ANP como “perseguição regulatória” e buscava apoio político para revertê-la.

Ainda segundo a proposta apresentada à PGR, durante a reunião o senador teria sinalizado disposição para ajudar e, em seguida, mencionado um problema financeiro relacionado ao Réveillon de Macapá. Com a desistência de patrocinadores, faltariam exatamente 2,5 milhões de reais para bancar o cachê de Roberto Carlos, já anunciado pela prefeitura. Beto Louco afirma que concordou em pagar o valor e que Alcolumbre indicou que a transferência fosse feita por meio de um intermediário identificado como “Cleverson”.

Os documentos entregues à PGR apontam que esse intermediário enviou dados de duas contas bancárias para o depósito de duas parcelas de 1,25 milhão de reais. Uma das contas pertenceria à CINQ Capital Instituição de Pagamentos, no Banco do Brasil, e a outra à QIX Transportes Logística Ltda, na Sicredi. As transferências teriam sido realizadas por uma empresa ligada aos empresários na véspera do show, ocorrido em 28 de dezembro. Após o envio do dinheiro, Beto Louco teria avisado o senador por telefone e recebido como resposta mensagens como “Tamo junto sempre!” e “Muito obrigado!”, acompanhadas de emojis.

A revista identificou que o número atribuído a “Cleverson” pertence a Kleryston Pontes Silveira, empresário do ramo musical de Fortaleza, que trabalha com artistas populares do forró e do sertanejo. Ele afirmou conhecer Davi Alcolumbre apenas de forma profissional, por eventos realizados no Amapá, e negou ter tido qualquer ingerência no show de Roberto Carlos. Questionado sobre contatos com Beto Louco e o envio de dados bancários, não respondeu. No Réveillon seguinte, um artista por ele agenciado voltou a se apresentar em Macapá.

Procurado, Davi Alcolumbre afirmou, por meio de nota, que não mantém relação comercial ou empresarial com os empresários citados e que as empresas mencionadas nunca patrocinaram o Réveillon do Amapá nem eventos por ele articulados. Disse ainda que atua institucionalmente para buscar apoio a iniciativas culturais no estado e repudiou qualquer tentativa de associá-lo a ilícitos. A nota, porém, não respondeu se houve a reunião de 20 de dezembro, se solicitou apoio financeiro aos empresários, se conhece Beto Louco e Mourad ou se enviou as mensagens citadas na proposta de delação.

A defesa dos empresários afirmou que não comentará eventuais tratativas de colaboração premiada e negou suspeitas de ligação com organizações criminosas. Após se tornarem alvos de operações do Ministério Público e da Polícia Federal que investigam adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro, os dois fugiram do país em agosto de 2025, exatamente oito meses após os festejos em Macapá. A proposta de delação foi inicialmente rejeitada pela PGR, sob o argumento de ausência de materialidade suficiente, mas informações complementares foram enviadas e aguardam nova análise.

O governo do Amapá informou que o Réveillon foi realizado por uma entidade privada e contou com patrocínios de empresas e instituições, que teriam sido responsáveis pela contratação e pagamento dos artistas. Não detalhou, porém, os valores pagos, os responsáveis diretos pelas negociações nem o custo total dos cachês. Em meio a investigações sobre combustíveis, emendas parlamentares e pressões políticas em Brasília, o episódio dos shows em Macapá passou a integrar um conjunto mais amplo de apurações que colocam sob escrutínio a relação entre grandes eventos públicos, financiamento privado e influência política.