
O diretor jurídico da J&F, controladora da JBS, Francisco de Assis e Silva, aparece no inquérito que investiga um esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) após receber R$ 400 mil do lobista Juarez Chaves de Azevedo Júnior. Com informações do Estadão.
Os repasses constam em relatórios de inteligência financeira do Coaf incorporados à investigação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que apura o caminho do dinheiro e o papel de intermediários em decisões judiciais.
Segundo os relatórios, o Coaf analisou transações de Juarez em dois recortes: de junho de 2022 a maio de 2023 e de setembro de 2023 a agosto de 2024. Nesse intervalo, Francisco de Assis e Silva foi beneficiário de três repasses atribuídos ao lobista: um de R$ 100 mil e dois de R$ 150 mil, totalizando R$ 400 mil.
Parte das movimentações ocorreu da conta pessoal de Juarez para a advocacia de Francisco; outras transações se deram entre os escritórios dos dois.
No inquérito do STJ, o escritório particular do diretor da J&F aparece em uma lista de pessoas e empresas que receberam quantias consideradas “relevantes” do lobista. A investigação registra que a “natureza ou relação negocial não foi, até o momento, devidamente justificada nos autos”.
Por que o nome de Francisco entrou na investigação
De acordo com a defesa do lobista, Francisco foi escolhido porque era um dos advogados “com melhor trânsito” entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo o relato, o trabalho contratado incluía preparar memoriais e “despachar com os ministros”, com visitas “um por um”. No período em que os pagamentos ocorreram, Juarez atuava em 18 processos nos dois tribunais.

O advogado de Juarez, Djalma da Costa e Silva Filho, afirmou que seu cliente tinha o hábito de contratar escritórios quando os processos tramitavam em Brasília. “Contratam-se os escritórios para preparar os memoriais, despachar com os ministros, visitar um por um”, disse ele, ressaltando que o escritório de Francisco não seria o único nessas contratações.
Procurado, Francisco afirmou ter recebido os valores por serviço prestado a colegas e disse que isso não tem relação com suas funções na J&F/JBS. “É um grupo de advogados que eu assessorei em um parecer jurídico. Eles me remuneraram, eu paguei meus impostos e eles me pagaram na conta corrente. Tudo certo”, disse.
Ele não informou o objeto do parecer e alegou sigilo profissional: “Está protegido pelo sigilo advogado-cliente”. Confrontado com a afirmação de que teria sido escolhido por “melhor trânsito” com ministros, preferiu não comentar.
Como funcionaria o esquema no TJ-PI, segundo a apuração
Juarez é apontado como intermediário do esquema: ele receberia dinheiro de empresários e advogados interessados em decisões favoráveis do desembargador José James Gomes Pereira, do TJ-PI, e repassaria parte dos valores para a filha do magistrado, a advogada Lia Rachel. O objetivo, segundo a investigação, seria dissimular o pagamento de propina, evitando transferências diretas a familiar.

O inquérito identificou ao menos R$ 21 milhões que Juarez teria recebido a título de propina. Um dos principais elementos é o depoimento de João Gabriel Costa Cardoso, ex-assessor do desembargador, à Polícia Federal. Ele afirmou que Lia comandava os trabalhos do gabinete, determinava prioridades, produzia minutas e chegava a assinar decisões usando o token do pai no sistema PJe.
Segundo o relato, o desembargador teria concordado com a dinâmica e feito uma reunião em casa, determinando ao servidor que cumprisse o que Lia ordenasse.
Esse ex-assessor produziu um dossiê com anotações atribuídas à advogada, contendo instruções e indicações ligadas a números de processos, com orientações como “aplicar multa de 5% em embargos protelatórios”, além de registros do tipo “deixar parado”, “ser favorável ao agravante”, “falar c/ o Des (falar com o desembargador)” e “pautar”.
Em um caso citado, houve anotação pedindo “concessão de liminar retirando o povo do terreno e dar cumprimento pelo 2º grau”, e uma decisão determinou desocupação em até 48 horas; a empresa beneficiada pagou R$ 500 mil a Juarez.
Em outro episódio, Lia teria orientado o uso de um argumento específico sobre “prova emprestada” para acolher um recurso, e Juarez teria ido pessoalmente ao gabinete tratar do processo, dizendo que o assunto “já estava alinhado com eles (Lia e José James)”.
Medidas e desdobramentos
José James foi afastado do cargo por um ano, mantendo o direito ao salário. Em outubro, foi alvo de mandados de busca e apreensão em casa e no gabinete, além de ter sido impedido de frequentar o TJ-PI e de manter contato com investigados, exceto a filha. Lia também foi alvo de buscas e impedida de acessar o tribunal e de manter contato com investigados. Mandados também atingiram Juarez.
Até o momento, o único preso foi o ex-assessor que apresentou informações sobre o esquema. A decisão apontou “periculosidade” diante de evidências de fraude no PJe para obtenção de vantagens ilícitas. O caso foi remetido ao STJ por indícios de envolvimento de autoridade com foro.
O relator no STJ, Sebastião Reis Júnior, manteve a prisão do assessor e negou as prisões dos demais, avaliando que medidas cautelares eram suficientes.
Menção à J&F e o processo do Banco Original
O material cita que foi identificado apenas um processo relatado pelo desembargador José James em que o grupo econômico ligado à JBS/J&F aparece como parte interessada. No caso, iniciado em 2007 e encerrado em agosto de 2021, o antigo Banco Matone (rebatizado de Banco Original após aquisição pelos Batista) cobrava uma dívida de R$ 280 mil do município de Nossa Senhora de Nazaré (PI), relativa a convênio de crédito consignado.
A primeira instância extinguiu o processo por entender abandono da causa, e o recurso, sob relatoria de José James, anulou a sentença por “ausência de prévia intimação pessoal do autor”, devolvendo o caso à primeira instância. Em janeiro de 2022, o processo foi arquivado.
Nota da empresa e funções do executivo
A J&F declarou que “o advogado Juarez Chaves de Azevedo Júnior nunca prestou serviço ao grupo J&F, que não pode comentar eventuais pagamentos por atividades advocatícias que não envolvem o grupo”. Sobre a atuação paralela de Francisco em escritório particular, a empresa não se manifestou.
O texto registra que o escritório citado é o particular do executivo, que é representante legal da JBS e conselheiro de administração da Eldorado Celulose, também do grupo.