China, petróleo e poder: os bastidores da ofensiva de Trump na Venezuela

Atualizado em 20 de dezembro de 2025 às 9:45
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Nicolás Maduro, presidente da Venezuela. Foto: Reprodução

A ameaça de intervenção dos Estados Unidos na Venezuela, reforçada por operações militares, sanções e bloqueios a navios petroleiros, está ligada a uma combinação de interesses estratégicos que vão do petróleo à contenção da China na América Latina, passando pela retomada da Doutrina Monroe.

Embora o presidente Donald Trump justifique a ofensiva com o discurso de combate ao narcotráfico e de segurança regional, especialistas ouvidos pelo G1 apontam que a pressão sobre o governo de Nicolás Maduro atende a objetivos econômicos e geopolíticos mais amplos.

Petróleo no centro da ofensiva

A Venezuela concentra a maior reserva comprovada de petróleo do mundo, com cerca de 303 bilhões de barris, o que equivale a 17% do total global, segundo a Energy Information Administration (EIA). Trata-se, em grande parte, de petróleo extra-pesado, que exige tecnologia e altos investimentos, hoje limitados pela precariedade da infraestrutura e pelas sanções internacionais. Ainda assim, o recurso é estratégico para Washington.

De acordo com a EIA, esse tipo de petróleo “é bem adequado às refinarias norte-americanas, especialmente às localizadas ao longo da Costa do Golfo”. Para o professor Marcos Sorrilha, da Unesp, Trump vê na produção venezuelana uma forma de reduzir os preços dos combustíveis nos EUA.

“O petróleo venezuelano seria uma estratégia de barateamento do preço do combustível para os americanos”, afirma. A pressão já gera efeitos: segundo a Bloomberg, Caracas enfrenta dificuldades para armazenar petróleo após medidas dos EUA que impedem a circulação de navios.

China e a disputa por influência regional

Outro eixo central da ofensiva é a relação da Venezuela com a China, principal rival geopolítico dos EUA. Antes das sanções de 2019, os americanos eram os maiores compradores do petróleo venezuelano. Com o bloqueio, a China ampliou rapidamente sua participação e hoje responde por 68% das exportações do país, segundo a EIA.

Pequim já concedeu quase US$ 50 bilhões em empréstimos à Venezuela na última década, usando petróleo como garantia. Para Carolina Moehlecke, da FGV, essa parceria em áreas críticas, como petróleo e mineração, preocupa Washington.

O economista André Galhardo acrescenta que Trump busca “manter os laços muito bem atados” na América Latina para conter a influência chinesa, o que ajuda a explicar a aproximação dos EUA com países produtores de petróleo, como Brasil e Argentina.

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Maduro e Xi Jinping, presidente da China. Foto: Reprodução

Abertura econômica e interesses empresariais

Além da disputa energética e geopolítica, há o interesse em abrir o mercado venezuelano a empresas norte-americanas. Segundo Sorrilha, a oposição liderada por María Corina Machado já defendeu publicamente parcerias com companhias dos EUA, não apenas na extração de commodities, mas também em processos industriais.

Esse movimento se alinha à agenda de Trump de ampliar exportações e garantir novos mercados para empresas americanas.

Doutrina Monroe e a estratégia de Trump

A nova estratégia de política externa dos EUA, divulgada pela Casa Branca, explicita a retomada da Doutrina Monroe, formulada em 1823, que define a América Latina como área prioritária de segurança e influência de Washington.

O documento prevê reforço da presença militar no hemisfério e redução do foco em outras regiões. Para Moehlecke, trata-se de uma versão mais ofensiva da doutrina, voltada a impedir que a China tenha acesso a recursos estratégicos da região.

Já Sorrilha avalia que a estratégia busca consolidar a hegemonia continental dos EUA, afastar concorrentes e garantir a expansão de seus interesses econômicos, inclusive, se necessário, com o uso da força.