
A nova moda entre influenciadores — que, me perdoem, nem deveriam existir — é “ajudar” crianças em países africanos (fazendo mídia a partir disso, é claro).
Há até uma competição tácita de quem faz o melhor cosplay de Madre Teresa de Calcutá.
Eles filmam a si mesmos chorando, encenam espanto e anunciam o que o mundo já sabe: enquanto o influencer ostenta uma bolsa de 50 mil reais, crianças morrem de fome ao redor do planeta.
A pretensa bondade tem um preço alto: crianças africanas em situação de miserabilidade rendem mais likes do que as próprias crianças brancas deles — que, aliás, também não hesitam em expor por engajamento.
Como justificativa estapafúrdia para essa exploração explícita da imagem infantil, usam a velha história do “bom exemplo”, como se estivessem interessados em convencer outras pessoas a ajudar — o que eles detestariam, porque os tiraria da confortável posição de bons samaritanos que se importam com aquilo que “ninguém mais vê”.
Senta lá, Cláudia.
Emoldurar o sofrimento e a miséria não é novidade. A diferença é que agora isso dá — muito — dinheiro para gente que finge se importar.
Eles certamente faturam com a desgraça alheia o triplo do que doam, sempre com muito alarde, e ainda encontram uma solução conveniente para a culpa cristã que carregam — se é que ainda existe.
Se essa gente estivesse realmente preocupada com a fome na África, usaria sua influência para promover justiça social — algo que claramente detestam — em vez de praticar caridade pontual travestida de publi.
Justiça social não dá like. E custa caro. Custa o que eles mais odeiam: pobre que não depende de caridade fajuta.
Ao exporem crianças pobres por engajamento, comportam-se como neocolonizadores na sociedade tecnológica.
Utilizam crianças negras como alegorias morais e se colocam no centro de uma narrativa que não lhes pertence, atualizando um discurso colonizador ainda mais cruel, justamente por estar disfarçado de bondade.
A miséria vira conteúdo. De novo, o povo negro é retirado do lugar de sujeito e reposicionado como objeto de um gesto que, se fosse espontâneo, não precisaria de câmera, edição nem trilha sonora. Trata-se da violência silenciosa da mercantilização da pobreza.
Não há nada de revolucionário em transformar sofrimento em espetáculo; isso sempre foi uma estratégia de poder. A diferença é que, agora, o chicote é digital e o lucro é monetizado.
O influencer sai engrandecido, o público se sente moralmente aliviado e a estrutura que produz a miséria segue intacta — intocada, lucrativa e convenientemente fora do enquadramento.
Caridade é anônima. O resto é oportunismo.
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