
É impossível determinar com precisão o dia em que Jesus de Nazaré nasceu. Os evangelhos — principais fontes históricas sobre sua vida — foram escritos décadas depois de sua morte por autores que não o conheceram pessoalmente e estavam mais interessados em sua morte e ressurreição do que em seu nascimento. Ainda assim, esses textos oferecem pistas cronológicas que permitem aos historiadores situar Jesus em um período aproximado da história. Com informações da BBC News.
O que dizem Mateus e Lucas
Segundo o historiador Javier Alonso, os Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos por volta dos anos 80 e 90 d.C., são as únicas obras do Novo Testamento que trazem os chamados “relatos da infância” de Jesus. O problema é que eles não coincidem. “O problema é que, do ponto de vista cronológico, eles são incompatíveis”, afirma Alonso.
Mateus associa o nascimento de Jesus ao reinado de Herodes, o Grande, que morreu em 4 a.C. “Como agora sabemos que Herodes morreu em 4 a.C., conforme o Evangelho de Mateus, Jesus deve ter nascido em 4, 5, 6 ou 7 a.C.”
Já Lucas vincula o nascimento ao censo comandado por Públio Sulpício Quirino, governador romano da Síria, ocorrido em 6 d.C., quando Maria e José teriam viajado a Belém. “Ou seja, há uma diferença de pelo menos dez anos entre Mateus e Lucas”, resume Alonso.
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Relatos escritos décadas depois
Para o filólogo e historiador Antonio Piñero, esses capítulos iniciais podem ter sido acrescentados aos evangelhos quando eles já circulavam. “Sabemos que foram adicionados porque os personagens do evangelho posterior, de Mateus 3 e Lucas 3, não fazem ideia do que aconteceu nos capítulos anteriores, e até há dados contraditórios”, diz.
Segundo ele, esses relatos podem ter sido redigidos apenas no início do século 2, mais de 60 anos após a morte de Jesus.
Ao analisar outras referências históricas dos evangelhos, como o governo de Pôncio Pilatos entre 26 e 36 d.C. e o início da pregação de Jesus no 15º ano do imperador Tibério, Alonso conclui que a cronologia de Mateus é a mais plausível.
“Por datas, o que faz sentido é Mateus, ou seja, que Jesus nasceu aproximadamente em 4 a.C., nos últimos anos de Herodes, o Grande.” Sobre o censo citado por Lucas, ele afirma: “É um artifício literário.”
Piñero concorda e relaciona o episódio a uma profecia do Antigo Testamento. “Uma vez que se acredita que Jesus é o messias, concorda-se com a profecia de Miquéias, capítulo 5:1, a de que o messias virá de Belém, cidade onde nasceu Davi.”
Por que o nascimento não era central para os primeiros cristãos
Não há outras fontes históricas que detalhem o nascimento de Jesus. O historiador Flávio Josefo o menciona em obra escrita por volta do ano 95, mas sem referência ao seu nascimento. Para Piñero, isso se explica pela mentalidade do cristianismo primitivo. “Para o cristianismo primitivo, a chegada do Reino era muito iminente, então, por que se preocupar?”
Segundo ele, o foco inicial estava na morte e na ressurreição. “O nascimento de Jesus na religião cristã primitiva não tem importância porque a mensagem original é que Jesus morre pelos pecados da humanidade e ressuscita. E isso é o triunfo sobre a morte. Tudo o mais é decorativo.”
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O erro do calendário cristão
Se os indícios históricos apontam para cerca de 4 a.C., por que o calendário cristão começa no ano 1? A resposta passa por Dionísio, o Magro, monge do século 5 encarregado de calcular a data da Páscoa. Ao tentar definir o nascimento de Jesus, ele concluiu — de forma equivocada — que o evento teria ocorrido 753 anos após a fundação de Roma.
“Ele não tinha as fontes que um historiador tem hoje, então fez como Deus o fez entender, e errou”, diz Alonso. Esse cálculo acabou sendo adotado ao longo do tempo, consolidando o erro cronológico que permanece até hoje.
Como surgiu o 25 de dezembro
A escolha do 25 de dezembro não veio de Dionísio. Segundo Piñero, trata-se de uma “invenção cristã” anterior, ligada ao processo de cristianização do Império Romano após o século 4. Nessa data, os romanos celebravam o festival do “sol invicto”, associado ao solstício de inverno. “Os antigos o celebravam no dia 25 porque era a data em que já se notava que o ‘sol invencível’ estava vencendo as trevas.”
A Igreja passou a associar essa simbologia a Jesus. “E quem era o sol invencível? Bem, Jesus. É por isso que essa data é cristianizada e está determinado que o nascimento de Jesus foi em 25 de dezembro”, explica Piñero.
No mesmo período, também ocorriam as Saturnálias, festas com troca de presentes e enfeites. “Assim, copiam-se datas, substituem-se datas e muitas vezes costumes”, acrescenta Alonso.
Diante das diferenças entre Mateus e Lucas, Piñero afirma que só é possível ter alguma segurança sobre os pontos em que ambos coincidem: que os pais de Jesus se chamavam Maria e José, que a família era religiosa e que Jesus era galileu. Alonso, porém, é mais cético. “Parecem dois textos quase mitológicos”, conclui.