
Uma pesquisa Datafolha divulgada na última sexta-feira (26) revela um retrato paradoxal do eleitorado brasileiro ao cruzar identidade ideológica com alinhamento político. O levantamento aponta que 34% dos eleitores que se dizem petistas afirmam se posicionar à direita ou ao centro-direita, enquanto 14% dos bolsonaristas se identificam como de esquerda ou centro-esquerda. Com informações da Folha de S.Paulo.
De acordo com o mesmo instituto, 47% dos brasileiros se definem como de direita ou centro-direita, enquanto 28% se dizem de esquerda ou centro-esquerda. Ao mesmo tempo, 40% afirmam ser petistas e 34% bolsonaristas.
A pesquisa ouviu 2.002 pessoas com 16 anos ou mais entre os dias 2 e 4 de dezembro, em 113 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
O Datafolha utilizou duas escalas distintas. Na primeira, os entrevistados se posicionaram em uma régua de 1 a 5, em que 1 representava bolsonarismo e 5, petismo. Foram classificados como petistas os que marcaram 4 ou 5 e como bolsonaristas os que marcaram 1 ou 2. Quem se colocou no ponto 3 foi considerado neutro. Na segunda escala, de 1 a 7, os entrevistados indicaram sua posição ideológica, da extrema esquerda à extrema-direita.
O cruzamento desses dados mostrou que cerca de um terço dos petistas se identifica com a direita ou centro-direita, enquanto 47% se colocam à esquerda ou centro-esquerda. Outros 9% se dizem de centro e 9% não souberam responder. Entre os bolsonaristas, a identificação é mais alinhada ao campo tradicionalmente associado ao grupo: 76% se dizem de direita ou centro-direita, mas ainda assim 14% afirmam ser de esquerda ou centro-esquerda.

Para o cientista político Bruno Bolognesi, professor da Universidade Federal do Paraná, a aparente incongruência está ligada à sobreposição de conceitos no eleitorado e ao peso do carisma de lideranças como Lula e Jair Bolsonaro. Ele observa que, hoje, a autodefinição ideológica está cada vez mais associada a valores individuais.
“A pessoa que tem 60 anos e era petista desde a fundação do partido hoje em dia se identifica com o PT, mas é superconservadora. O petismo católico, por exemplo, que é superforte no Sul do Brasil, é um petismo absolutamente conservador”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo. “A mesma coisa acontece com o bolsonarismo. Há um pessoal evangélico que é altamente estatista, que apoia o Bolsa Família e o direito do trabalhador”.
O cientista político Elias Tavares avalia que os dados revelam como o eleitor brasileiro organiza suas identidades. “Existe uma separação clara entre identidade ideológica formal, direita e esquerda, e identidade política concreta, como petismo e bolsonarismo”. Para ele, é comum que eleitores combinem posições consideradas de direita em temas como costumes e segurança pública com apoio ao PT.
Tavares também aponta os efeitos da polarização. “O rótulo ‘petista’ ou ‘bolsonarista’ funciona muito mais como um marcador de lado na disputa do que como expressão ideológica. Muitas vezes, o eleitor se identifica com um desses campos principalmente para se diferenciar do outro”.
Já Luis Gustavo Teixeira, professor da Unipampa, destaca que no Brasil a relação política tende a ser mais personalista. “As influências políticas no Brasil e na América Latina tendem a se vincular muito mais a elementos que são próprios do pensamento político de líderes populistas”.