
Por Leonardo Sakamoto
Não é coincidência. É método. Quando Silvinei “Barrei Eleitores Pobres” Vasques, após ser condenado por tentativa de golpe de Estado, tentou escapar pela fronteira com o Paraguai, não estava apenas fugindo da Justiça, mas confirmando que falta controle sobre nossas fronteiras.
A imensa fronteira terrestre brasileira, vista como terra de ninguém por diversos criminosos, virou metáfora perfeita do projeto político que desembocou no 8 de janeiro de 2023. Por ali, por culpa de sucessivos governos, entram drogas, armas, contrabando — e, quando convém, saem golpistas fujões.
Não porque sejam gênios do crime, mas porque apostam na mesma lógica: fiscalização insuficiente, instituições e servidores atacados, orçamento cortado, falta de política pública consistente. A fuga não é um desvio do projeto de país. É a consequência direta dele.
Alexandre Ramagem fez o mesmo caminho simbólico. O homem que comandou a Abin, órgão que deveria proteger o Estado brasileiro, tornou-se réu por participar de uma engrenagem que buscava corroer esse mesmo Estado por dentro. Quando o cerco apertou, optou pela velha cartilha do bolsonarismo raiz: negar tudo, atacar o sistema, posar de perseguido, e, se possível, sair do país antes que a conta chegue. Fugiu pela fronteira do Brasil com a Guiana.
Isso sem contar a longa lista dos peixes pequenos do 8 de janeiro de 2023 que se escafederam para não enfrentarem suas pendências com a Justiça e, hoje, estão na Argentina.
Não se trata apenas de indivíduos tentando escapar. Trata-se de um padrão político. Quem passou anos sabotando a Polícia Federal, atacando o Judiciário e flertando com a ruptura institucional agora se aproveita das brechas deixadas por esse mesmo processo de erosão. A fronteira peneira é filha direta de um Estado atacado, corroído, menosprezado, reduzido. E o golpista que foge por ela é o retrato acabado dessa contradição.
No fim, a cena é pedagógica. Silvinei Vasques era diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência. Os mesmos que diziam defender a lei e a ordem fogem dela. E mostram, mais uma vez, que o projeto autoritário não acaba em heroísmo nem em martírio. Acaba em mala pronta, discurso vitimista e uma corrida desesperada para longe das consequências.

E essa porosidade não cobra preço apenas da democracia. Cobra, sobretudo, da vida concreta. Cada fronteira que funciona como peneira não serve só de rota de fuga para golpista acuado, mas de corredor logístico para o crime organizado. É por ali que entram fuzis que abastecem milícias e facções, drogas que financiam redes de violência e corrupção, munições que transformam periferias em campos de guerra.
Tratar fronteira como detalhe administrativo é aceitar que armas circulem com mais facilidade do que políticas públicas, e que o Estado chegue apenas para matar e enterrar pobre.
Por isso, a fuga dos golpistas é mais do que vergonha política: é alerta. Um país que não controla quem entra e quem sai não perde apenas soberania, perde capacidade de proteger sua população. A mesma negligência de Estado que permite a escapada de quem tentou destruir a democracia é a que alimenta o ciclo de violência que mata, diariamente, jovens pobres e negros. Enquanto a fronteira for peneira, não haverá ordem, nem segurança, nem Estado que se sustente. Só um território fraturado, onde criminosos entram armados e golpistas saem ilesos.
Publicado originalmente em UOL.