Letalidade policial volta a crescer e coloca SP no 2º pior índice em cinco anos

Atualizado em 28 de dezembro de 2025 às 14:20
Policiais em comunidade de SP. Foto: Divulgação

Policiais militares e civis mataram 650 pessoas no estado de São Paulo entre janeiro e outubro de 2025. O número é o segundo mais alto registrado nos últimos cinco anos e fica atrás apenas de 2024, ano marcado pela Operação Verão, que teve saldo oficial de 56 mortos e se tornou a ação mais letal da história da PM paulista desde o Massacre do Carandiru.

Os dados indicam uma mudança de trajetória na letalidade policial durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas. No governo anterior, comandado por João Doria, o estado registrou redução de 54% nas mortes provocadas por agentes de segurança entre 2020 e 2022, segundo estatísticas oficiais.

Em período equivalente sob a atual gestão, a letalidade policial cresceu 69%, considerando os meses de janeiro a outubro nas duas comparações. Os dados de novembro de 2025 ainda não foram divulgados. As estatísticas incluem ocorrências com policiais em serviço e de folga. Antes da posse de Tarcísio, o indicador havia atingido o patamar mais baixo em duas décadas.

Questionada sobre os números, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que “todas as ocorrências dessa natureza são rigorosamente investigadas pelas Polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário”. A pasta declarou ainda que “desde 2023, mais de 1.200 agentes foram presos, demitidos ou expulsos por desvios de conduta”.

Ao longo de 2025, casos envolvendo mortes de pessoas desarmadas tiveram desfechos distintos. Em julho, o marceneiro Guilherme Dias Santos Ferreira, de 26 anos, foi morto com um tiro pelas costas enquanto corria para pegar um ônibus em Parelheiros, na zona sul da capital, logo após sair do trabalho em uma fábrica de móveis.

O policial militar Fabio Anderson Pereira de Almeida, que estava de folga e disse ter confundido a vítima com um assaltante, foi preso mais de um mês depois e permaneceu menos de duas semanas detido. A decisão judicial que autorizou sua soltura considerou, como atenuantes, o fato de ele ser réu primário, ter emprego e residência fixa.

Em outros casos, houve prisão de policiais após análise de imagens de câmeras corporais. Em junho, um morador de rua foi morto com tiros de fuzil depois de permanecer rendido por mais de uma hora. Um tenente e um soldado foram presos mais de um mês após o caso, após a Corregedoria examinar as gravações.

Eles alegaram que a vítima tentou tomar a arma de um policial, versão que não aparece nas imagens. Em julho, uma perseguição policial na favela de Paraisópolis terminou com a morte de Igor Oliveira de Morais Santos, de 24 anos, quando ele estava com as mãos para cima.

Igor Oliveira de Morais Santos. Foto: Divulgação

O episódio provocou protestos na comunidade, com ruas fechadas, lixeiras incendiadas, veículos de imprensa depredados e carros virados durante as manifestações. As mudanças no funcionamento das câmeras corporais da PM paulista foram decisivas para a produção de provas nesses casos.

A morte do morador de rua Jeferson de Souza Santos, de 23 anos, foi registrada porque o modelo antigo, da Axon, grava de forma contínua, mesmo sem acionamento manual, embora sem áudio. Já no caso de Paraisópolis, a gravação ocorreu por acionamento remoto, recurso presente apenas nos novos equipamentos da Motorola, que ativam câmeras próximas em um raio de até 20 metros.

O avanço da letalidade não se concentrou apenas na capital. Regiões como Ribeirão Preto, Campinas e Piracicaba, no interior, além de São Bernardo do Campo e Guarulhos, na Grande São Paulo, registraram os maiores aumentos em 2025 na comparação com o ano anterior.

“É o que a gente chama, aqui na ouvidoria, de interiorização das mortes”, afirmou o ouvidor das polícias, Mauro Caseri. Segundo ele, o órgão analisa se o crescimento está relacionado ao comportamento do crime organizado e também à qualidade das provas produzidas nas investigações.

Caseri destacou que não é incomum que casos com indícios de abuso de força terminem em absolvições. “É sempre preciso investigar se houve preservação do local, se as câmeras corporais foram utilizadas. Você tem um conjunto de tecnologia que poderiam nos levar a uma conclusão mais efetiva dos casos que não são respeitadas”, disse.

A SSP afirmou ainda que os protocolos operacionais passam por revisões rotineiras e que há investimento em equipamentos de menor potencial ofensivo, “como as 3.500 armas não letais incorporadas ao arsenal das polícias”, além da ampliação do uso das câmeras corporais, conforme acordo firmado no Supremo Tribunal Federal.

A pasta declarou que o estado registrou 1.061 mortes em confrontos com policiais em serviço nos últimos dois anos, “o que representa redução de quase 25% em relação aos primeiros anos da gestão anterior”.

Para o coordenador científico do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, Sérgio Adorno, a área de segurança pública vem sendo contaminada pela política.

“O custo político de ser condescendente com a letalidade é baixo. Por quê? Porque não há cobrança”, afirmou. Segundo ele, governos acabam aceitando excessos “em nome da ordem pública”, muitas vezes com a percepção de apoio popular.

Guilherme Arandas
Guilherme Arandas, 27 anos, atua como redator no DCM desde 2023. É bacharel em Jornalismo e está cursando pós-graduação em Jornalismo Contemporâneo e Digital. Grande entusiasta de cultura pop, tem uma gata chamada Lilly e frequentemente está estressado pelo Corinthians.