“Tudo o que se tem são falácias”, diz jurista Pedro Serrano sobre Moraes e o Master

Atualizado em 29 de dezembro de 2025 às 18:07

O advogado e professor de Direito Pedro Serrano concedeu entrevista ao DCM no último sábado (27), na qual analisou os principais pontos das reportagens da jornalista Malu Gaspar, publicadas no jornal O Globo. A matéria acusa o ministro do STF Alexandre de Moraes de pressionar o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em favor do Banco Master. O escritório da mulher de Moraes, a advogada Viviane Barci, tem um contrato no valor de R$ 129 milhões com a instituição.

Na entrevista, Serrano examina a gravidade das acusações sob os aspectos jurídico, ético e político, apontando implicações e controvérsias.

A acusação contra Alexandre de Moraes

Eu acho que esse caso merece muita cautela. Está havendo um certo clima em torno do caso, que é grave, mas precisa ser visto com calma. O primeiro aspecto que precisa ser levado em conta é que se imputou ao ministro o cometimento de um crime, que tem por nome técnico advocacia administrativa, que seria uma espécie de tráfico de influência, no sentido de ter explorado o prestígio do seu cargo para receber remuneração extravagante por meio de sua mulher. Essa é a acusação. Agora, essa acusação é feita a partir de depoimentos de pessoas que falam de pressão e pedidos do ministro ao presidente do BACEN.

Mas algumas pessoas, segundo outra matéria de outra jornalista — aliás, excelente jornalista, uma das melhores do país, que é a Mônica Bergamo — dizem que o diretor da Polícia Federal recebeu pressão e pedidos. Nenhum dos três confirma isso. O presidente do BACEN não confirma, o diretor da Polícia Federal não confirma e o ministro Alexandre também não confirma. Se eles estiverem mentindo e houve essa pressão, os três cometeram crime: o ministro Alexandre, de advocacia administrativa; o presidente do Banco Central e o diretor da Polícia Federal, de prevaricação, porque constataram o cometimento de um crime diante deles e nada fizeram. Ou seja, é muito grave o que está posto, por isso se recomenda calma.

Imoral, ilegal ou nenhum dos dois?

O contrato desse valor chama a atenção. Claro que é estranho, mas isso não significa necessariamente que seja ilegal. E vou dizer: há a hipótese de que não seja nem mesmo imoral. Eu sou advogado da área empresarial, conheço isso há anos. Existe no Brasil, de uns quatro anos para cá, uma regulamentação da Receita Federal em que, se você contrata uma empresa, você pode subcontratar outros escritórios da mesma profissão, por exemplo, advogados contratando outros escritórios de advocacia, sem que haja bitributação.

Isso favorece muito que empresas grandes centralizem contratos nas mãos de um escritório que funciona quase como uma agência de outros escritórios, seja para facilitar a burocracia de compliance, seja para formas de relatório e cobrança mais eficazes. Isso é possível hoje por causa dessa nova regulamentação da Receita.

Eu tenho contratos assim — não desse valor, obviamente — mas tenho contratos em que subcontrato outros escritórios de advocacia. Quem olhar meu contrato vai falar: “Pô, o Pedro está ganhando bem aqui”, mas, na realidade, eu fico apenas com um percentual daquilo. Ou seja, nós temos que ir com calma.

Alguém viu o contrato? Eu não vi. E tem mais: a maioria dos advogados não conhece isso que estou falando porque não advogam para grandes empresas. A gente no mercado usa uma expressão que é “corda de caranguejo”. Esses contratos são corda de caranguejo: um fica ligado no outro, e não é raro você contratar um escritório que subcontrata outro, que subcontrata outro. Quer dizer, vai uma corda de caranguejo mesmo, vai depender do tamanho do assunto.

Não se esqueçam de que a advocacia não é só representação no Judiciário. Segundo a própria lei da advocacia, é representação junto a todos os poderes do Estado. Às vezes você tem questões em agência reguladora, que é no Executivo, questões no Legislativo, questões no Judiciário, tudo no mesmo caso. E você precisa contratar gente que tenha especialidade, relação e tudo o que é preciso para fazer uma boa defesa. E isso é um problema quando se dá entre particulares, um problema privado. Não tem dinheiro público nisso.

Investigação preliminar

O que eu estou querendo dizer é que é o caso de ir com calma. Nós nem investigamos ainda. Eu fiquei surpreendido ao ver gente, jornalistas importantes do país, da Rede Globo, defendendo que o ministro teria que provar sua inocência. Provar inocência de quê? A gente não sabe nem se há materialidade para iniciar um inquérito.

Existe, sim, o que deve ser feito, que é o que se chama, no jargão do direito, de investigação preliminar, que a Polícia Federal e o Ministério Público sempre fazem em casos assim. Primeiro se faz uma investigação prévia para ver se há o mínimo de materialidade para instaurar um inquérito.

Seria um crime grave de três autoridades federais, que, a essa altura, se for verdade que houve pressão do ministro sobre o diretor da Polícia Federal e o presidente do Banco Central, ambos cometeram crime de prevaricação se não fizeram denúncia.

Por enquanto, o que tenho observado é que tudo se sustenta em falas ou depoimentos, declarações em off. Sabe-se lá quem está fazendo essas declarações. Esse tipo de assunto mobiliza interesses bilionários do mercado financeiro. Eu nunca vi banqueiro se movimentar na vida que não fosse por interesse econômico e financeiro.

Essa gente pode, sim, criar notícias, criar manipulações, pegar fatos verdadeiros e dar outra dimensão, distorcer. Alguém aqui sabe quem são as fontes para que possamos avaliar? Alguém aqui já viu esse contrato? Alguém aqui sabe mesmo?

O máximo que há de cogitação é que aquela grande jornalista do UOL, a Daniela Lima, apurou o assunto em sentido contrário aos demais. Ela fala que houve uma reunião para tratar da Lei Magnitsky, o que é absolutamente legítimo, que ministros do Supremo tratem disso com bancos e com o Banco Central. O Supremo foi vítima de ataque do Estado mais poderoso do mundo, com repercussão na vida financeira de cada um. É mais do que legítimo os ministros discutirem essa lei. E ela diz que, en passant, enquanto estavam no cafezinho aguardando o início da reunião, falaram dos temas mais comentados em Brasília, e o assunto Master era o assunto mais falado naquele momento.

O ministro responde e nega, dando datas das reuniões e negando que tenha feito ligações. É óbvio que, se ele estiver mentindo, isso é muito grave. Realmente, se um ministro do Supremo recebeu dinheiro por meio do escritório de sua esposa para realizar atividade de lobby — de tráfico de influência, no grosso sentido de advocacia administrativa — isso é gravíssimo. Ele não pode permanecer como ministro. Isso tem que ficar claro.

Isso vai erodindo a confiabilidade das nossas instituições. Eu não estou dizendo que algum jornalista que fez matéria agiu de forma ilícita. Esse é um debate que, provavelmente, se alguns dos envolvidos quiserem, poderá ser tratado na Justiça, para saber se está dentro dos limites da liberdade de imprensa ou não. Eu sempre defendo que, na dúvida, em favor do jornalista, ele pode divulgar o que achar que deve, desde que não haja má-fé. Aqui eu estou tratando mais do plano ético.

Filosofia moral no jornalismo

O jornalista saber da atividade moral é fundamental. Eu conheço teoria moral, estudei isso a vida inteira como parte da filosofia política. A filosofia moral é um ramo importante da filosofia política.

Ora, um assunto dessa envergadura, em relação a qualquer ser humano, exige cuidado. Qualquer pessoa tem direito a não ter sua imagem destruída sem o mínimo de apuração e verificação probatória. Eu espero que isso tenha ocorrido por parte dos jornalistas que fizeram essas matérias. Quando se trata de um ministro do Supremo, é ainda mais grave, porque o crime, se cometido, é mais grave por causa da função que ele exerce.

Acho que a Polícia e o Ministério Público têm que realizar uma investigação preliminar para verificar se há o mínimo de materialidade para instaurar um inquérito.

E aí tem que haver um debate judicial sobre qual é o limite da liberdade de imprensa, que eu acho que precisa ser amplo na democracia. Uma coisa é dizer que um jornalista agiu de forma antiética ou amoral. Outra coisa é dizer que ele agiu de forma ilícita. São coisas diferentes.

É diferente imputar um crime a alguém quando isso é feito por um jornalista no exercício da profissão. Eu, como cidadão comum, sou muito mais facilmente enquadrável no crime de calúnia do que um jornalista. Temos que ter calma nisso também. Estamos falando da liberdade de imprensa numa democracia.

Método da Lava-Jato

Eu escrevi um texto com a minha querida colega Carol Proner, em que observamos isso. A gente já viu isso na Lava-Jato, já viu no passado esse clima ansioso que só gerou distorções. Temos que ir com paciência e esperar as apurações.

Se o ministro Alexandre cometeu o que lhe é imputado, ele tem que sair do Supremo Tribunal Federal. Se não cometeu, ele tem o direito de tentar se ressarcir junto a quem publicou a matéria — jornalista, órgão de imprensa etc. E, se ele quiser, ele vai; se não quiser, não vai.

De qualquer forma, acho que seria bom para o país haver uma investigação preliminar, porque não é apenas um jornalista falando. A jornalista Malu Gaspar soltou a matéria, e depois disso outros veículos passaram a divulgar, outros jornalistas importantes. Isso exige, ao menos, uma investigação preliminar.

Agora, se não houver fato, se não houver consistência, me desculpem: uma coisa é a lógica do jornalismo, outra coisa são os critérios de justiça pelos quais o sistema de justiça deve funcionar. No sistema de justiça não deve existir — ainda que às vezes exista — essa história de depoimento sigiloso como base de acusação. Quem faz uma acusação tem que fazê-la com CPF embaixo, porque tem que responder por ela. Basta lembrar que a liberdade de expressão na Constituição brasileira é garantida com o limite da preservação da honra. A própria Constituição impõe esse limite de forma muito clara, diferente de outros países.

O papel de um impeachment

Eu acho que seria mais adequado uma investigação pelo Congresso, com eventual abertura de uma CPI, para depois, se for o caso, fundamentar um pedido de impeachment. Vejo muitos jornalistas tratando o impeachment como um simples ato político. Não é bem assim. Nós não estamos no parlamentarismo. Eu discuti muito isso no caso da Dilma e elaborei pareceres nesse sentido.

O impeachment é um ato complexo: ele tem uma dimensão política, com margem de decisão, convivendo com uma dimensão jurídica, que é vinculada, e o Judiciário deveria controlar isso.

Ou seja, o Parlamento pode decidir decretar impeachment ou não, mas tem que haver crime de responsabilidade. E não é na lei que está toda a definição, porque a lei é de 1950. A Constituição de 1988 é clara ao dizer que não basta uma ilegalidade comum: tem que haver atentado à Constituição, algo grave e doloso.

É preciso verificar se há crime de responsabilidade para legitimar a instauração de um processo de impeachment. Se houver, e se o ministro fez tudo isso, trata-se de crime comum e de crime de responsabilidade. Agora, é ansioso demais querer instaurar imediatamente um processo de impeachment. O correto seria investigar ou acompanhar a investigação do Ministério Público e da Polícia Federal.

Código de conduta no STF

É evidente que precisamos de códigos de conduta. Não sei por que tanto vacilo, não só do Supremo, mas de todos os tribunais do país. O parente de um ministro tem que saber que há restrições à sua advocacia. O ministro tem que se declarar impedido em determinadas situações.

Agora, é muito mais grave se um ministro fizer lobby em favor dos interesses do escritório de um parente. Isso é gravíssimo. Eu não estou aqui para passar pano, mas para defender investigação preliminar. Não se pode sair “fritando” instituições como o STF, o Banco Central e a Polícia Federal só com base em depoimentos sigilosos.

O jornalista pode publicar a matéria, mas ela não deve ser base automática para conclusões de justiça. Uma coisa é a crítica ética; outra é acusar ilicitude. Fonte não autoriza falar qualquer coisa. Se se provar que houve má-fé ou deturpação, isso é grave. Sem má-fé, a atividade jornalística é assim mesmo.

Não estamos criticando a pessoa da Malu Gaspar, mas especificamente essa matéria. A responsabilidade editorial também está em questão, assim como o comportamento do ministro. Se no fim não houver prova alguma, houve erro grave — como vimos na Lava-Jato, com muitos erros brutais que comprometeram a vida e a carreira de pessoas.

Existem comportamentos que não são ilegais, mas são inadequados à imagem do Judiciário. Outros países têm códigos de conduta claros. O Judiciário precisa de contenção, porque exige mais confiabilidade da sociedade. Ele decide por último na democracia.

Thiago Suman
Jornalista com atuação em rádio, TV, impresso e online. É correspondente do Daily Mail, da Inglaterra, apresentador do DCMTV e professor de filosofia e sociologia, além de roteirista de cinema e compositor musical premiado em festivais no Brasil e no mundo